20 dezembro 2007

QUANDO UM HOMEM QUISER


Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e combóios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher

José Carlos Ary dos Santos


Nota: este poema está musicado por Fernando Tordo, numa canção interpretada por Paulo de Carvalho. Foto acima: tradicional madeiro de Natal - fogueira de Natal feita no largo das povoações de algumas regiões do interior de Portugal, para onde converge toda a gente na noite de dia 24.

16 dezembro 2007

ESPERA


As aulas acabaram...
E eu dirijo-me para casa, lentamente,
Pela rua que sei que percorres
Sempre que recolhes
Ao teu casulo de ninfa.
O sinal mudou, os carros passaram,
E eu fico aqui, dormente,
Com os olhos inundados
Pelo sol matinal...
Depois, sem pressa, calmamente,
Quase de pés arrastados,
Caminho, à espera do teu sinal.
Vou olhando para trás, chateado,
Por ver assim contrariado
O encontro casual
Que eu havia planeado
Toda a noite anterior.
Viro o relógio, de coração apertado,
E olho o mostrador,
Cheio de grande ansiedade
E um misto de terror,
Mas tu já não vens, já é tarde,
Para ver passar o amor...

Luis Beirão
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.
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Nota: lamechice pegada, dirão... acontece que tenho um grande carinho por este poema singelo, escrito com 17 verdes aninhos... tem a ver com um tipo de sentimento que nos faz sentir quentinhos por dentro, que muitos de nós já esqueceram. E que urge relembrar...
Nota 2: a versão audio que podem ouvir resulta de muitas peripécias e também já data de há pelo menos 4 anos atrás.

14 dezembro 2007

EVENTOS: GEDEÃO NA VÍCIO DAS LETRAS

Hoje, pelas 21.30, Livraria Vício das Letras (Santa Maria da Feira)
Sessão Poética dedicada a poemas de António Gedeão

Local:
Rua Dr. José Correia de Sá, nº59 , Feira
para saber mais sobre o local, como chegar e onde fica clicar aqui

Participação de vários intervenientes (incluindo eu próprio), e convívio salutar durante e no final. Quem puder, e lhe ficar a jeito, apareça e será bem vindo!


13 dezembro 2007

EXCESSO


porquê falar
quando podes cantar ?
porquê lamentares-te
quando podes chorar
agonizar desesperar?
porquê murmurar,
quando podes gritar
a plenos pulmões ?
entrega-te
deixa fluir todo o teu amor
toda a tua dor e paixão...
porquê viver se podes amar a vida
intensamente?
porquê comer lentamente
se podes devorar sentir
e cheirar degustar
todos os minutos e segundos ?
porquê escrever com tinta
se o podes fazer com sangue
com o teu sangue ?
sente o fluir do sangue
nas tuas veias
o fogo que queima as tuas ideias
e pensamentos
a fúria de todos os ventos
dentro de ti
sente o teu corpo vibrar
o teu espírito exultar
como se sob o prazer desmedido
de mil orgasmos consecutivos
liberta o fogo dentro de ti
o demónio que dança
na tua alma
aquece os outros
queima-os
fá-los arder no teu fogo
até que as suas faces
se tornem rubras
e inebriados
bêbados
de alegria e dor
venham dançar
...................rir
..........cantar
...............chorar
.......sofrer
amar contigo
......junto da fogueira..!


Luis Beirão


Nota: já antigo, mas pronto, com os retoques apropriados ainda se deixa ler.

06 dezembro 2007

UM SERÃO NA ALDEIA


É noite cerrada, e no pequeno caminho de terra batida não se vê absolutamente nada. Ainda assim, o grupo avança. As sombras das oliveiras ladeiam o caminho, com um dos lados constituído por uma trincheira escavada na rocha xistosa. A erva das bermas está molhada e a terra, meio barrenta, escorre água vinda de um cano ali perto. A iluminação é fraca, vem apenas de um dos poucos postes de luz branca existentes na aldeia, enfiado entre duas ramadas de oliveira, por debaixo das quais se sentem os pés a pisar as azeitonas já maduras que entretanto foram caindo. Ao fundo, ouve-se o barulho das águas de um ribeiro, que correm abundantemente sob um velho pontão.

Está tanto frio que imensas baforadas de um fumo espesso se tornam visíveis no ar nocturno, sempre que alguém se sente compelido a falar. Trata-se de um frio real, palpável, daqueles que se nos entranham nos ossos, até ao fundo, e embora se sinta no ar a humidade de chuva recente, o céu nocturno está estrelado. De vez em quando, escuta-se um cão a ladrar na noite.
Serão talvez onze e meia, mas parece mais tarde, tudo na aldeia se encontra no mais completo silêncio, e as poucas pessoas acordadas estarão talvez à lareira. Sente-se no ar um cheiro agradável e familiar a chaminé e a lenha queimada.
A tasca a que chamamos café fechou cedo, e nada mais há a fazer senão recolher à adega do Zé. O vinho caseiro e elaborado sem grandes critérios de enologia senão aqueles que respeitam o gosto do seu proprietário, mesmo ainda novo, já se bebe, e mais ainda com umas azeitonas em água e sal a acompanhar. Lá dentro (é a esperança de todos) sempre estará um pouco mais quente.

O Natal aproxima-se. Sente-se na atmosfera. Aqui sente-se mesmo, e tem a ver com clima e temperatura, a vegetação, as azeitonas que caem das oliveiras, os rostos das pessoas transidas de frio na noite, a quietude, o contexto geral... mesmo que não existam mais luzes, e mais montras e feriados, e muita gente a fazer compras, e mais programas na televisão. Sente-se e pronto, paira no ar e contagia e impregna todas as coisas.
Nunca vimos muita televisão na aldeia. Apetece mais conversar ao redor do lume, jogar umas cartas no café, ou então recolher a uma adega, ou mesmo ir para a cama mais cedo. Mas as noites no Inverno são forçosamente longas, e apetece sempre companhia, proximidade (como os animais num estábulo), para com isso aquecer ambos: corpo e alma.

Com um barulho de ferrolhos e trancas, o Zé abre a adega. Entramos todos e fechamos a porta atrás. A adega, se assim se lhe podia chamar, estava isolada, afastada das casas de habitação, e ladeada por um curral de cabras e um loureiro, que debruçava a sua ramada sobre o acesso. Não passava de uma velha casa de xisto com um telhado de telhas canudo rústicas e já cheias de musgo, com lajes a tapar alguns buracos aqui e além. Lá dentro, uma divisão baixa, com tecto de madeira já meio a apodrecer, paredes de barro e xisto e chão em terra batida... como quase todas as adegas por aqui.

Nas paredes e no tecto, pequenas ferramentas e artefactos, pendurados por pregos enferrujados ou em toscas prateleiras improvisadas com tábuas de madeira: artefactos usados na extracção da resina noutros tempos, pequenos pregos de madeira outrora usados nas velhas colmeias de cortiça, ferramentas diversas de carpintaria artesanal, serrotes, tesouras de podar, alicates, martelos... Numa das paredes, uma antiga canga de bois e uma albarda de um burro, ajudam a completar o quadro.
À direita, dois pipos já velhos e sem torneira. No lugar onde se deviam localizar as torneiras, um buraco tapado por sebo, que se abre de cada vez para o efeito através de um furo feito por um pau colocado ali perto. À esquerda, mais um conjunto de prateleiras de madeira, uma velha arca usada para salgar os presuntos e no canto, está claro, a pia onde se esmaga o vinho. Tudo isto, numa divisão apenas com uma pequena janela sem vidros, mas tapada por uma tábua de madeira tosca.

No meio, uma velha e pequena mesa de cozinha, toda em madeira e sem toalha, cujo tampo denota sinais de uso intensivo e marcas de navalhadas, em cima da qual repousa um covilhete com azeitonas, os copos sujos virados do avesso por sobre um pano, e um pão, com uma faca enterrada. Sorrio perante esta visão. Lembro-me do Eça: da cara aterrorizada de Jacinto, o hiper-civilizado, quando chegado à sua coutada serrana se deparou para o jantar com uma mesa quiçá semelhante a esta...
Toda a gente se procura sentar, ou encostar. À volta da mesa nada de cadeiras, apenas um banco de madeira desses usados para a matança do bácoro e uns cepos de lenha, à laia de bancos improvisados, num dos quais me sento.

Vai-se falando. O Ti Manel da Rua de Cima, queixa-se do desperdício que foi esta queda repentina de azeitonas das árvores e conclui que antigamente apanhavam-se muito mais tarde e não era nada disto. O João profere algo acerca da mudança dos tempos e das estações, e principia a falar de umas obras que anda a fazer na sua adega. Já o Chico, informa que vai apanhar todas as suas oliveiras durante a próxima semana, e que não espera ter muito azeite, mas que sabe de fonte segura que o seu vizinho, o Francisco, se safou este ano muito bem. O Quim, por sua vez, lamenta não o poder fazer tão cedo, dado ter que ir a Lisboa ver o filho, internado no hospital. Nisto, todos se juntam e indagam, e falam do filho do Quim, e do sobrinho do Ti António do Outeiro a quem morreu a mulher e depois da filha do Manel, que está na França. Saudades. Afinidades, esperanças, partilha... O João é mais novo... tem um filho que ainda mal entrou para o preparatório. Já o Artur, moço da minha idade, escuta a conversa em silêncio. Discorre-se sobre muitas coisas e nenhuma, e o que ninguém diz é que sabe bem estar ali.
E logo o Zé espeta o pau no buraco do pipo e serve vinho a todos, menos ao Ti Manel, que esse sempre foi mais dado a aguardente. E essa, o Zé tem sempre. E da boa, segundo diz.

Aceitei o copo de vidro já meio baço pelo uso (no qual muita gente teria repúdio de beber fosse o que fosse), e levei-o à boca. Na verdade, nunca gostei muito de um certo excesso de bebida que se ingere nestas ocasiões. Ao princípio parecia-me, ao ver beber em demasia estes homens meio brutos, de mãos rudes e calejadas e roupas ainda sujas do trabalho diário, que se tratava de uma coisa de bêbados, de um qualquer ritual bárbaro de brutos, toscos, arruaceiros... Mas depois aprendi, com o tempo, a ver que havia muito de autenticidade e sinceridade nas palavras que são proferidas nestas alturas, e percebi que a bebida nunca é um motivo em si mesmo, mas sim uma forma de exprimir um sentimento, de estar e partilhar um mesmo espaço, uma mesma conversa. E se acontece alguém exagerar, dá para rir e para brincar, ocasionalmente para umas zangas que passados uns dias já caíram no esquecimento pois toda a gente por aqui vive paredes meias e as zangas não podem durar eternamente... Mas estas pinceladas, como diria um pintor, são também parte do quadro, e fazem também o todo e a beleza da coisa.

Com estas considerações, levei o copo à boca e bebi. E como me soube bem! E a conversa prosseguiu, tocou vários assuntos, tristes, alegres ou banais, e continuou-se a beber e a comer azeitonas muito devagar mas persistentemente, para ajudar a pôr cá fora as palavras. Às vezes, entre uma frase e a outra, fazia-se um silêncio geral, mas ninguém parecia importar-se, ninguém parecia oprimido pelo silêncio e ninguém lamentava a falta de tempo, impaciente. O tempo aqui (penso sempre para mim) é diferente, parecemos ter mais tempo em todos os momentos, sentimo-nos mais capazes de deixar a vida fluir.
Passa uma eternidade. Duas horas, muitos copos de vinho e azeitonas depois (e um chouriço caseiro pelo meio), saímos. Ao abrir a porta da adega, um raio de luz vindo do interior invadiu a escuridão e prolongou-se na noite deserta, e um pouco do nosso calor saiu para confrontar o ar gélido da noite.

Despeço-me de todos, menos do Ti Manel, que me acompanha pois mora perto de mim. Caminhamos lado a lado em silêncio, na noite fria, as botas já velhas e rotas do Ti Manel a pisarem com ruído os paralelos da calçada. Avanço meio tonto, mas sem consequências físicas ou mentais de maior: antes pelo contrário, em paz por dentro, parece-me que aspiro melhor e com mais vivacidade o ar nocturno.
Chegados á sua porta, o Ti Manel virou-se e perguntou:
- Mais um, para a abalidiça?
- Não, Ti Manel, bem haja. A sua patroa está a dormir, e tem a adega por baixo da casa, não vale agora a pena acordá-la por coisa nenhuma. São horas de cama...
- Então, olha, não sei que te faça. Até amanhã!
- Até amanhã, até amanhã!

Dirijo-me para casa, mas não entro. Acendo um cigarro e sento-me perto da soleira da porta, com o simpático rafeiro por companhia. O odor forte a pinho molhado invade-me a alma, e aprecio os barulhos nocturnos, contemplo a sombra escura da serra que paira por sobre os telhados da aldeia. Toda a aldeia dorme (e essa ideia reconforta-me!) e eu e fico a ver as estrelas, brilhantes como nunca vi em mais lado nenhum.

Ficarei assim longo tempo, naturalmente, aproveitando este momento de calma e bonomia e pensando, reflectindo, mas sem complicações em excesso nem desnecessárias violências na alma. Naturalmente. Depois, com a mesma calma, irei deitar-me em paz, assim que sinta o sono infiltrar-se e, paulatinamente, invadir-me os sentidos.

Sem pressas.
. . . . .Sem canseiras.
. . . . . . . Naturalmente...
Luis Beirão

04 dezembro 2007

AGENDA PRÓXIMOS EVENTOS

Aqui deixo, muito rapidamente, um apanhado dos próximos eventos nos quais vou participar, e onde é bem vinda a presença de quem o desejar:

Hoje, dia o4 Dezembro, café-concerto da Casa das Artes (Câmara Municipal de Famalicão), cerca das 22 h
Festa do conto e da poesia (sessão mais ou menos intimista, com leituras, música e muita conversa)
Para informações clicar aqui

Amanhã, dia 05 de Dezembro, 21.30 h, Clube Literário do Porto
Apresentação do livro "Murmúrios Ventos" do poeta lisboeta Jorge Casimiro
Apresentação: Anthero Monteiro
Leituras: Luis Carvalho
Música: Carlos Andrade (guitarra) e Francisco (pianista habitual da Praça da Alegria)
Para informações clicar aqui

Segunda, dia 10 de Dezembro, 22 h, Bar Dominó do Casino de Espinho
Sessão mensal da Onda Poética, desta vez sob o tema "Chá, café, pastelaria"

30 novembro 2007

EVENTOS - POMBAS NO MINISTÉRIO DA DEFESA

Bem sei, muito em cima da hora, mas deixo aqui a nota, pois não tive tempo de divulgar neste espaço antes.

Hoje (dia 30), pelas 21.30 h, Biblioteca Municipal de Vila Nova de Gaia
Para morada e mais informações: Clicar aqui

POMBAS NO MINISTÉRIO DA DEFESA
Colagem com teatralização de textos e músicas sobre guerra e paz.
- Textos e músicas de diversos autores, numa colagem de Anthero Monteiro, com as participações de:
Ana Afonso, Anthero Monteiro, Luis Carvalho, Marta Tormenta e Rafael Tormenta. Música a cargo de Carlos Andrade.

Como (quase) sempre, entrada livre. Quem quiser aparecer, será bem vindo!

28 novembro 2007

PREFÁCIO PARA UM LIVRO DE POEMAS


Conheci um homem que possuía uma cabeça de vidro.
Víamos - pelo lado menos sombrio do pensamento -
todo o sistema planetário.
Víamos o tremelicar da luz nas veias e o lodo das emoções
na ponta dos dedos.
O latejar do tempo na humidade dos lábios.
E a insónia, com seus anéis de luas quebradas
e espermas ressequidos.
As estrelas mortas das cidades imaginadas.
Os ossos [tristes] das palavras.


A noite cerca a mão inteligente do homem que possui
uma cabeça transparente.
Em redor dele chove.
Podemos adivinhar uma chuva espessa, negra, plúmbea.

Depois, o homem abre a mão, uma laranja surge, esvoaça.
As cidades (como em todos os livros que li) ardem.
Incêndios que destroem o último coração do sonho.
Mas aquele que se veste com a pele porosa da sua própria escrita
olha, absorto, a laranja.

A queda da laranja provocará o poema?
A laranja voadora é, ou não é, uma laranja imaginada por um louco?
E se a laranja cair? E o poema? E o poema com uma laranja a cair?
E o poema em forma de laranja?
E se eu comer a laranja, estarei a devorar o poema? A ficar louco?
[...]
E a palavra laranja existirá sem a laranja?
E a laranja voará sem a palavra laranja?
E se a laranja se iluminar a partir do seu centro,
do seu gomo mais secreto,
e alguém a [esquecer] no meio da noite - servirá
[o brilho] da laranja para iluminar as cidades há muito mortas?
E se a laranja se deslocar no espaço-
mais depressa que o pensamento,
e muito mais devagar que a laranja escrita-
criará uma ordem ou um caos?

O homem que possui uma cabeça de vidro
habita o lado de fora das muralhas da cidade.
Foi escorraçado.
[E] na desolação das terras, noite dentro,
vigia os seus próprios sonhos e pesadelos.
Os seus próprios gestos - e um rosto suspenso na solidão.

Onde mora o homem que ousou escrever com a unha na sua alma,
no seu sexo, no seu coração?

E se escreveu laranja no coração, a alma ficará saborosa?
E se escreveu laranja no sexo, o desejo aumentará?
Onde está a vida do homem que escreve, a vida da laranja,
a vida do poema - a Vida, sem mais nada - estará aqui?
No interior do meu corpo?
ou muito longe de mim - onde sei que possuo uma outra razão...
e me suicido na tentativa de me transformar em poema
e poder, enfim, circular liVremEnte


Al Berto

22 novembro 2007

O TEU RISO



Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.
Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata
que em ti nasce.
A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar o teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua, ri,
porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.
À beira do mar, no outono,
o teu riso deve erguer
a sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,

quero o teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.
Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando os meus passos vão,
quando voltam os meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.



Pablo Neruda

20 novembro 2007

QUARTAS MALDITAS - PRÓXIMA SESSÃO


Amanhã, Quarta, dia 21, pelas 22 horas.
Local: Clube Literário do Porto (entre o Palácio da Bolsa e a Alfândega-http://www.clubeliterariodoporto.co.pt/)
Entrada livre

Sessão temática, subordinada ao tema "Ler Poesia"
- Apresentação Powerpoint sobre leitura em voz alta
- Audição em CD de leituras de vários diseurs
- Leitura de 1 poema cada um (da responsabilidade dos residentes e dos convidados)

Convidados: Amílcar Mendes, Isaque Ferreira, José Carlos Tinoco, Miguel Carvalho
Residentes habituais: Anthero Monteiro (coordenador), Diana Devezas, Joana Padrão, Mário Vale de Lima, Rafael Tormenta e eu próprio.
Apareçam se puderem!

15 novembro 2007

EU ROSIE, SE EU FALASSE, EU DIR-TE-IA...


Eu, Rosie, eu se falasse eu dir-te-ia
Que partout, everywhere, em toda a parte,
A vida égale, idêntica, the same,
É sempre um esforço inútil,
Um voo cego a nada.
Mas dancemos; dancemos
Já que temos
A valsa começada
E o Nada
Deve acabar-se também,
Como todas as coisas.
Tu pensas
Nas vantagens imensas
De um par
Que paga sem falar;
Eu, nauseado e grogue,
Eu penso, vê lá bem,
Em Arles e na orelha de Van Gogh...
E assim entre o que eu penso e o que tu sentes
A ponte que nos une - é estar ausentes.


Reinaldo Ferreira

10 novembro 2007

AUTOPSICOGRAFIA


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


Fernando Pessoa
Nota: Bem sei, outro cliché, mas não resisti neste momento particular.

04 novembro 2007

O CORVO


Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.
É só isto, e nada mais."

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais
-Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,
Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.
É só isto, e nada mais".

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.
Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais
-Eu o disse, o nome dela, e o eco disse os meus ais.
Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.
Meu coração se distraia pesquisando estes sinais.”
"É o vento, e nada mais."

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,
Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Diz-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."
Disse o corvo, "Nunca mais".

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,
Com o nome "Nunca mais".

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".
Disse o corvo, "Nunca mais".

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais
Era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,
Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sombras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sombras desiguais,
Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demónio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ânsia e medo, diz a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demónio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Diz a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"
Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demónio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão mais e mais,
E a minh'alm, dessa sombra que no chão há mais e mais

Libertar-se-á... NUNCA MAIS!



Edgar Allan Poe
(tradução de Fernando Pessoa)

24 outubro 2007

A SÓS COM TODA A GENTE


A carne cobre os ossos
e colocaram uma consciência
algures
e por vezes uma alma,
e as mulheres partem
copos contra as paredes
e os homens bebem
demasiado
e ninguém encontra
aquilo
mas continuamos
a procurar
arrastando-nos para dentro e para fora
das camas.

a carne cobre
o osso
e a carne procura
por mais do que
carne.

não há mesmo hipótese
alguma:
estamos todos aprisionados
por um destino
singular.

ninguém nunca encontra
aquilo.

as lixeiras das cidades enchem-se
os ferros velhos enchem-se
os hospícios enchem-se
os hospitais enchem-se
os cemitérios enchem-se

...mas nada mais
se enche.


Charles Bukowski

Nota: Tradução livre a partir do poema original em inglês "Alone with everybody". Sei que tenho postado muito Bukowski, mas estas escolha em particular, creio eu, vale a pena.

18 outubro 2007

QUE CULPA TERÃO AS ONDAS...


...Que culpa terão as ondas
Dos movimentos que façam?
São os ventos que as impelem
E sulcos profundos traçam.
Aos ventos quem lhes ordena
Que rasguem rugas no mar?
São as nuvens inquietas
Que os não deixam sossegar.
E as nuvens, almas de névoa,
Porque não param, coitadas?
É que as asas das gaivotas
As trazem desafiadas.
Mas as asas das gaivotas
O cansaço há-de detê-las!
Juraram buscar descanso
Nas pupilas das estrelas.
E como as estrelas estão altas
E não tombam nem se alcançam,
As asas das pobrezinhas
Baldamente se cansam
Baldamente se cansam,
Baldamente palpitam!
As nuvens, por fatalismo,
Logo com elas se agitam;
Os impulsos que elas dão
Arrastam as ventanias;
As vagas arfam nos mares
Em macabras fantasias

Assim as almas inquietas
Prisioneiras de ansiedades,
Mal que se erguem da terra,
Naufragam nas tempestades!

Reinaldo Ferreira
.
Nota: Pouco conhecida pela maioria das pessoas, a sua obra foi publicada a título póstumo (faleceu com 37 anos). No entanto, a ele devemos letras de canções sobejamente conhecidas, como "Uma casa portuguesa" e "Menina dos olhos tristes". A título de curiosidade, um dos livros que tinha planeados chamava-se "Um voo cego a nada". Não resisto a citar a sua "Receita para fazer um herói":

"Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.
.
Serve-se morto."

15 outubro 2007

EVENTOS - SESSÃO Nº 7 DAS QUARTAS MalDitas













Data: Quarta, 17 de Outubro de 2007, pelas 22 horas
Local: Clube Literário do Porto (na ribeira, entre o Mercado da Bolsa e a Alfândega)
Evento: Tributo a Miguel Torga

Convidado: Miguel Carvalho (jornalista da Visão) - "Geografia sentimental de Torga" (conversa e passagem de imagens de locais e paisagens conotados com o poeta)
Leitura de poemas pelos residentes: Anthero Monteiro (coordenador), Diana Devezas, Joana Padrão, Mário Vale Lima e Rafael Tormenta e, claro, eu próprio.
Música: Carlos Andrade (guitarra acústica e voz).
Espaço para intervenção livre do público.

Entrada livre. Apareçam, se puderem!
para mais informações: http://www.clubeliterariodoporto.co.pt/

13 outubro 2007

MACERAÇÃO



Pisa os meus versos, Musa insatisfeita!
Nenhum deles te merece.
São frutos acres que não apetece
Comer.
Falta-lhes génio, o sol que amadurece
O que sabe nascer.

Cospe de tédio e nojo
Em cada imagem que te desfigura.
Nega esta rima impura
Que responde de ouvido.
Denuncia estas sílabas contadas,
Vestígios digitais do evadido
Que deixa atrás de si as impressões marcadas.

E corta-me de vez as asas que me deste.
Mandaste-me voar;
E eu tinha um corpo inteiro a recusar
Esse ímpeto celeste...


Miguel Torga

Nota: Nada mais justo, no ano em que se comemora o centenário do nascimento deste poeta transmontano.

09 outubro 2007

UM POEMA QUASE FICCIONADO


eu vejo-te beber numa fonte com minúsculas
mãos azuis, não, as tuas mãos não são minúsculas
são pequenas, e a fonte é em França
donde tu me escreveste aquela última carta a
que eu respondi e nunca mais soube nada de ti.
tu costumavas escrever poemas sem sentido sobre
ANJOS E DEUS, todos em maiúsculas, e tu
conhecias artistas famosos e grande parte deles
eram teus amantes, e eu escrevi-te de novo, está tudo bem,
continua, entra nas suas vidas, eu não sou ciumento
pois nunca nos conhecemos. estivemos perto um do outro em
New Orleans, pouco tempo, mas nunca nos conhecemos, nunca
nos tocámos, e tu continuaste com os famosos e escreveste
sobre os famosos, e, claro, aquilo que descobriste
é que os famosos estão é preocupados
com a sua fama – não com a jovem e bela rapariga que está
na cama com eles, que lhes dá aquilo, e depois acorda
de manhã para escrever em maiúsculas poemas sobre
ANJOS E DEUS. nós sabemos que Deus está morto, eles
disseram-nos, mas ao ouvir-te deixei de ter certeza.
Talvez fossem as maiúsculas. tu eras uma das melhores
poetas femininas e eu disse aos editores, “ela, publiquem-na,
ela é louca mas é mágica”. “nenhuma mentira no seu fogo”.
eu amo-te como um homem ama uma mulher que nunca tocou,
que só lhe escreve, e guarda dela poucas fotografias. ter-te-ia
amado mais se estivesse sentado num pequeno quarto
a enrolar um cigarro e a ouvir-te mijar no quarto-de-banho,
mas isso nunca aconteceu.
as tuas cartas ficaram cada vez mais tristes.
os teus amantes traíram-te. rapariga, escrevi mais tarde, todos
os amantes traem. mas isso não ajudou. tu disseste
que tinhas um banco onde ias chorar e era junto a uma ponte
e essa ponte era sobre um rio e tu sentavas-te lá todas as noites
e choravas por todos os amantes que te tinham magoado
e esquecido. eu escrevi-te de novo mas nunca
obtive resposta. um amigo escreveu-me e contou-me
do teu suicídio, 3 ou 4 meses depois de acontecer.
se eu te tivesse conhecido teria provavelmente sido injusto contigo
e tu comigo.
foi melhor assim...


Charles Bukowski
Nota: Traduzido livremente a partir do poema inglês original ("An almost made up poem"). Negritos e algumas divisões de linhas da minha responsabilidade, por forma a adaptar ao formato da página. Aconselha-se sempre consulta do original.

30 setembro 2007

ANJO ÉS


Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher.

Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua fronte anuviada
Não vejo a c´roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d´amor.
Teus olhos têm negra a cor,
Cor de noite sem estrela;
A é chama vivaz e é bela,
Mas luz não têm. - Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste
De Jeová ou Belzebu?

Não respondes - e em teus braços
Com frenéticos abraços
Me tens apertado, estreito!...
Isto que me cai no peito
Que foi?... - Lágrimas? - Escaldou-me...
Queima, abrasa, ulcera...Dou-me,
Dou-me a ti, anjo maldito,
Que este ardor que me devora
É já fogo de precito,
Fogo eterno, que em má hora
Trouxeste de lá... De onde?
Em que mistérios se esconde
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu ou és mulher?


Almeida Garrett

E quem disse que poemas mais antigos não continuam, ainda, belos ?

28 setembro 2007

EVENTOS AMANHÃ (SÁBADO)

1 - "CONSTRUÇÃO"

Local: Casa Sindical, Porto (perto da estação de Campanhã), pelas 21 horas

Sessão de poesia e música semi-teatralizada, em torno do poema "Operário em Construção", de Vinicius de Morais. Adaptação de uma colagem de textos de Anthero Monteiro. Poemas e músicas de Ary dos Santos, Chico Buarque, Álvaro Feijó, Bertold Brecht, António Aleixo, Manuel Alegre, Zeca Afonso, entre outros.

Além da minha participação, conta ainda com Alexandra Mota, Amílcar Mendes, Carlos Jorge, Diana Devezas, Ana Ribeiro (voz e guitarra) e Carlos Andrade (voz e guitarra acústica). Espectáculo integrado na comemoração do 37º aniversário da CGTP-IN (Intersindical), mas aberto ao público em geral (entrada livre).

2- Apresentação do livro "Versos Nus", de Tiago Nené

Local: Magnolia caffé da Praça de Londres (Lisboa), 16 horas. Por sugestão de um amigo, autor do livro, deixo aqui a indicação, a quem puder ou estiver interessado em comparecer. Capa da famosa fotógrafa Paula Rosa e participação do grupo de teatro da Faculdade de Psicologia Univ. Lisboa.

3 - Apresentação do livro "No limiar das palavras", de Manuela Fonseca

Local: Biblioteca Municipal da Amadora (Rua Capitão Plácido de Abreu, Venteira) Tambem por sugestão de uma amiga. Prefácio de Rosa Maria Anselmo, apresentação a cargo de vera Silva.

4 - Apresentação do livro "Quadrar", de Fernando Morais

Local: Biblioteca Municipal de Gaia, 16 horas Livro da autoria de um amigo, que reúne textos que seleccionou de pessoas que foi conhecendo ao longo do seu trajecto.

ANIVERSÁRIO


No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia-província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a humidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos. . .

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...


Álvaro de Campos

27 setembro 2007

SER POETA


Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!


Florbela Espanca

Embora este poema seja mais do que conhecido, e citá-lo é quase o cliché dos clichés, nem por isso é menos bonito. E pronto, apeteceu-me...


20 setembro 2007

LUGAR NENHUM



Chamaste-me
e eu chamei-te.
Encontrámo-nos os dois,
na meia-luz
e à meia-distância,
no ponto onde a luz não era luz
e as trevas não eram trevas,
mas tudo era luztrevas,
no ponto onde nada era tudo
e tudo era nada,
e não havia tudo nem nada.
No ponto enfim,
onde eu não era eu
e tu não eras tu,
mas eu era tu
e tu eras eu...

Ali ficámos, suspensos no tempo,
em sublime e mútua adoração.
Chegado a este ponto,
contar-vos- ia, talvez, a minha história,
acaso houvesse história
para contar.
Mas é difícil existir história
quando não há princípio nem fim,
e quando o fim é o princípio
e o princípio é o fim
e entre ambos, princípio e fim,
nada mais existe senão o
fim e o princípio deles próprios...
Na verdade, nunca existimos,
ali naquele lugar sem nome,
até ao momento em que, cruelmente,
fomos arrastados de volta a nós mesmos.
Saímos. Saí.
E de fora, não vislumbrava mais
a porta de entrada,
nem conseguia situar o local,
recuperados que estavam os meus conceitos geográficos.
Conclui, pois, que o local não cabia
na Geografia...
Tentei depois, uma vez mais, regressar,
até acabar por entender
que não era a mim que cabia
a escolha do tempo ou do lugar,
mas eram eles que me escolhiam.
Vinham, sem anúncio prévio
ou aviso preparatório,
envolver-me nos seus braços.
Geralmente quando,
incauto e descuidado,
me tivesse esquecido

da imensidade das coisas
que não controlo...



Luis Beirão

17 setembro 2007

POMBAS NO MINISTÉRIO DA DEFESA

Evento: Quartas MalDitas - Pombas no Ministério da Defesa
Data: Quarta, dia 19, pelas 22 horas
Local: Clube Literário do Porto (entre o Infante e a Alfândega) http://www.clubeliterariodoporto.co.pt
Entrada livre, paga-se apenas o consumo - quem aparecer será bem vindo.

Semi-teatralização de uma colagem de textos e músicas sobre guerra e paz. Textos e músicas de autores diversos (Carlos Pinhão, Casais Monteiro, Prévert, Pessoa, Gedeão, Stephen Crane, Zeca Afonso, Pablo Neruda, e muitos mais).
Colagem da responsabilidade de Anthero Monteiro, com a participação do colectivo das Quartas MalDitas (Ana Afonso, Anthero Monteiro, António Pinheiro, Joana Padrão, Luis Carvalho, Mário Vale Lima, Rafael Tormenta e um convidado: Carlos Jorge) e ainda Carlos Andrade (guitarra e voz).

12 setembro 2007

OS POETAS


Nunca os vistes,
Sentados nos cafés que há na cidade,
Um livro aberto sobre a mesa e tristes,
Incógnitos, sem oiro e sem idade?


Com magros dedos, coroando a fronte,
Sugerem o nostálgico sentido
De quem rasgasse um pouco de horizonte
Proibido...


Fingem de reis da Terra e do Oceano
(E filhos são legítimos do vício!)
Tudo o que neles nos pareça humano
É fogo de artifício.


Por vezes fecham-lhes as portas
- Ódio que a nada se resume -
Voltam depois, a horas mortas,
Sem um queixume.


E mostram sempre novos laivos
De poesia em seu olhar...


Adolescentes! Afastai-vos
Quando algum deles vos fitar!



Pedro Homem de Mello

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