24 setembro 2015

LONGE



Longe
Hei-de acabar por me sentir longe
Longe de tudo

Hei-de pertencer cada vez mais
Ao horizonte

Hei-de ficar ao longe

Barco
Conscientemente afastado
De si próprio


 

Alberto de Lacerda 
Foto: Felix Leo Zlatkovic

Poeta nascido em Moçambique (1928) e falecido em Londres em 2007 (78 anos). Após passagem por Portugal em 1946, a partir de 1951 foi para Inglaterra, como locutor e jornalista da BBC, tendo divulgado muitos poetas de língua portuguesa. Viajou pela Europa, esteve no Brasil entre 1959/60 e a partir de 1957 leccionou nas Universidades de Austin (Texas), Columbia (Nova Iorque) até se fixar em 1972 como professor de poética na de Boston (Massachussets). Em Portugal, começou por publicar na revista Portucale e foi um dos fundadores da Távola Redonda (com Ruy Cinatti e David Mourão-Ferreira, por exemplo). Apesar do reduzido número de obras publicadas, estão traduzidas em várias línguas e deixou um vasto espólio de correspondência com grandes figuras da cultura (estrangeiras e portuguesas).

05 setembro 2015

VEM VENTO, VARRE



Vem vento, varre
sonhos e mortos.
Vem vento, varre
medos e culpas.
Quer seja dia,
quer faça treva,
varre sem pena,
leva adiante
paz e sossego,
leva contigo
nocturnas preces,
presságios fúnebres,
pávidos rostos
só cobardia.


Que fique apenas
erecto e duro
o tronco estreme
de raiz funda.

Leva a doçura,
se for preciso:
ao canto fundo
basta o que basta.


Vem vento, varre!



Adolfo Casais Monteiro

01 setembro 2015

ORTOFRENIA


Aclamações
dentro do edifício inexpugnável
aclamações
por já termos chapéu para a solidão
aclamações
por sabermos estar vivos na geleira
aclamações
por ardermos mansinho junto ao mar
aclamações
porque cessou enfim o ruído da noite a secreta alegria por escadas
               de caracol
aclamações
porque uma coisa é certa: ninguém nos ouve
aclamações
porque outra é indubitável: não se ouve ninguém





Mário Cesariny de Vasconcelos

Alguns factos: nascido em Lisboa (1923) e falecido na mesma cidade com 83 anos (2006), foi poeta e pintor, provavelmente o principal representante do surrealismo em Portugal. Tinha ascendência paterna da Córsega e materna espanhola. Estudou música e arte, mas foi como estudante em Paris, que contactou com André Breton, cuja influência o levaria a fundar, com outros, o Grupo Surrealista de Lisboa. O grupo funcionaria (na análise de muitos) como forma de protesto artístico contra o regime salazarista e também contra o movimento neo-realista, visto como capturado pelo Partido Comunista Português, e de tendência maioritariamente estalinista (o surrealismo original esteve mais próximo dos trotskistas). Foi um dos primeiros em Portugal a assumir de forma clara a sua homossexualidade. Doou ainda em vida o seu espólio à Fundação Cupertino de Miranda.

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