11 agosto 2006

VEM SENTAR-TE COMIGO, LÍDIA...

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)


Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

Ricardo Reis

08 agosto 2006

COMUNHÃO




Deixa-me voltar para onde o ar
É mais puro, e a vida mais leve!
Deixa-me...
Ainda que por um momento efémero e breve,
Deixa-me voltar a sentir o vento
Abanar as copas dos pinheiros
E a ver giestas e papoilas
Florirem nas encostas!
Deixa-me voltar a respirar
O odor a capelinhas e rosmaninhos
Pelo S. João,
Saltitar uma vez mais, por veredas e caminhos,
Como se a infância não tivesse ainda fugido....
Deixa-me...
Deixa-me achar-me no meio das serras,
Eu, que há muito ando já perdido!...
Deixa-me vida triste, cruel,
Deixa-me, que quero reaprender
A cheirar as ervas e o mato,
As flores e a Primavera!
Deixa-me,
Que quero sentir, como outrora, o cheiro da terra,
E beber outra vez, de bruços,
A água fresca das nascentes,
Nos cumes dos montes.
Deixa-me,
Que quero de novo sentir em mim
O despertar de uma quimera,

E a liberdade dos amplos horizontes...!


Luis Beirão

07 agosto 2006

AGRICULTURA


O sono não vem,
Mas também,
Se não vem mais nada...!
A mente, aquilo que tem,
Não o quer dizer a ninguém,
Muito menos ao papel
Que repousa aqui à minha frente.
Soluços e murmúrios,
Que gritos não servem para exprimir os abismos
Que contemplo...
E vou soluçando,
E vou murmurando assim,
Lentamente, no papel.
Agonizando...
Apercebo-me agora claramente
Da artificialidade das palavras.
São precisas mil e uma unidades
E várias conexões
Para exprimir uma leve aproximação
Àquilo que é suposto transmitirem...
Não importa.
Nada mais importa.
A minha mente parece
Um terreno estéril e árido,
De onde foi sugada e drenada
Toda a vida,
Onde todas as palavras e conceitos
Cresceram, abriram em flor,
Deram fruto, e amadureceram.
E depois veio o Outono
E, com ele, a altura da colheita.
E o lavrador, ávido de frutos,
Não deixou nenhum para semente...
Pois bem, se o campo não dá frutos,
Ao menos que cresça nele a erva daninha...!


Luis Beirão

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