Lá
vai a bicicleta do poeta em direcção
ao símbolo, por um dia de
verão
exemplar. De pulmões às costas e bico
no ar, o poeta
pernalta dá à pata
nos pedais. Uma grande memória, os
sinais
dos dias sobrenaturais e a história
secreta da
bicicleta. O símbolo é simples.
Os êmbolos do coração ao
ritmo dos pedais —
lá vai o poeta em direcção aos
seus
sinais. Dá à pata
como os outros animais.
O
sol é branco, as flores legítimas, o amor
confuso. A vida é
para sempre tenebrosa.
Entre as rimas e o suor, aparece e
desaparece uma rosa. No dia de verão,
violenta, a fantasia
esquece. Entre
o nascimento e a morte, o movimento da rosa
floresce
sabiamente. E a bicicleta ultrapassa
o milagre. O
poeta aperta o volante e derrapa
no instante da graça.
De
pulmões às costas, a vida é para sempre
tenebrosa. A pata do
poeta
mal ousa agora pedalar. No meio do ar
distrai-se a flor
perdida. A vida é curta.
Puta de vida subdesenvolvida.
O bico
do poeta corre os pontos cardeais.
O sol é branco, o campo plano,
a morte
certa. Não há sombra de sinais.
E o poeta dá à pata
como os outros animais.
Se
a noite cai agora sobre a rosa passada,
e o dia de verão se
recolhe
ao seu nada, e a única direcção é a própria
noite
achada? De pulmões às costas, a vida
é tenebrosa.
Morte é transfiguração,
pela imagem de uma rosa. E o poeta
pernalta
de rosa interior dá à pata nos pedais
da confusão
do amor.
Pela noite secreta dos caminhos iguais,
o poeta dá à
pata como os outros animais.
Se
o sul é para trás e o norte é para o lado,
é para sempre a
morte.
Agarrado ao volante e pulmões às costas
como um pneu
furado,
o poeta pedala o coração transfigurado.
Na memória
mais antiga a direcção da morte
é a mesma do amor. E o
poeta,
afinal mais mortal do que os outros animais,
dá à pata
nos pedais para um verão interior.
Herberto Hélder