30 março 2007

O FIM DOS GUERREIROS

( a D.Quixote, o último dos cavaleiros)

Quem me dera a mim
Os dragões, os monstros e as bruxas,
Os hercúleos, brutamontes,
Inimigos de outros tempos...!
Oponente grande, forte, sólido,
Que desse realmente gosto esmurrar,
Que valesse a pena combater,
Que exigisse coragem
Para o enfrentar,
Face ao qual nos desse gozo revoltar !
Mas sendo os nossos inimigos
Estas pequenas "formigas"
Que nos dilaceram a alma,
Nada podemos fazer...
Se esmurramos....
Nós próprios é que sangramos.
Se combatemos...
Nós próprios é que sofremos.
E sem glória na morte,
Para nos coroar,
Não vale a pena lutar !

Oração:
Oh, cavaleiros de mil batalhas
Travadas e vencidas,
De mil donzelas em perigo socorridas,
De mil dragões acalmados,
De mil monstros esventrados...!
Envoltos em auréola de glória,
Pelas multidões aclamados,
Fizestes a festa da vitória,
De quem sobreviveu à morte
E traçou a sua própria sorte,
E eis que sucumbis agora,
Vítimas de intrigas da corte...!

Luís Beirão

23 março 2007

UM ADEUS PORTUGUÊS


Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz dos ombros pura e a sombra
duma angústia já purificada

Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor

Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver

Não podias ficar nesta casa comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual

Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal

Mas tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser

Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal

Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te ADEUS
e como um adolescente
tropeço de ternura por ti



Alexandre O'Neill

20 março 2007

NOTAS, ACONTECIMENTOS & EVENTOS IV

Hoje, Terça, dia 2o de Março

21.30/22 h - bar da Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão
Sessão mensal habitual do Conto e da Poesia, com música, poesia, canções, e o habitual convívio.

Amanhã, Quarta, dia 21 de Março (Dia Mundial da Poesia)

21.30 h - Clube Literário do Porto (entre a Alfândega e o Infante)
1ª Sessão das Quartas MalDitas, sessão de carácter regular (mensal) de 1 h e meia de poesia. O tema inicial será "O meu poeta/poema predilecto". A sessão, coordenada pelo Anthero Monteiro, conta ainda com as participações regulares (além da minha) de Alexandra Mota, Ana Afonso, António Pinheiro, Diana Devezas, Joana Padrão, Mário Vale Lima e Rafael Tormenta. Nesta 1ª sessão, haverá a apresentação inicial de um trabalho feito por alunos de uma escola em volta do "Mostrengo" de Fernando Pessoa. Como convidado nesta sessão, estará presente José Carlos Tinoco e teremos o prazer de contar com a presença regular do pianista José Veloso Rito. Entrada livre.

24 h - Sessão habitual das Quartas no Púcaros Bar (Arcos de Miragaia),
que por certo estará à altura da data especial que se comemora e, como sempre, aberta a todos.

Sexta, dia 23 de Março

21.30 h - Auditório da Junta de Freguesia de Espinho
Integrada no festival Tucátulá, da Câmara Municipal de Espinho, vai ser apresentada a teatralização de poemas "Construção" à volta do famoso poema de Vinicius de Moraes, e com cenários alusivos à actividade em si (obras). A cargo do grupo da Onda Poética, e já anteriormente apresentada em Gaia, esta dramatização poética e musical contará (além de mim) com as participações de Anthero Monteiro (coordenador da Onda), Carlos Jorge, Diana Devezas, Mirró Pereira, Rafael Tormenta e o músico Carlos Andrade. Entrada livre.

16 março 2007

MEU PAÍS DESGRAÇADO


Meu país desgraçado!...
E no entanto há Sol a cada canto
e não há Mar tão lindo noutro lado.
Nem há Céu mais alegre do que o nosso,
nem pássaros, nem águas ...

Meu país desgraçado!...
Por que fatal engano?
Que malévolos crimes
teus direitos de berço violaram?

Meu Povo
de cabeça pendida, mãos caídas,
de olhos sem fé
— busca, dentro de ti, fora de ti, aonde
a causa da miséria se te esconde.

E em nome dos direitos
que te deram a terra, o Sol, o Mar,
fere-a sem dó
com o lume do teu antigo olhar.

Alevanta-te, Povo!
Ah!, visses tu, nos olhos das mulheres,
a calada censura
que te reclama filhos mais robustos!

Povo anémico e triste,
meu Pedro Sem sem forças, sem haveres!
— olha a censura muda das mulheres!
Vai-te de novo ao Mar!
Reganha tuas barcas, tuas forças
e o direito de amar e fecundar
as que só por Amor te não desprezam!

Sebastião da Gama

14 março 2007

POEMA DO HOMEM SÓ


Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nos
e ninguém nos conhece.

Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem

Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum DAR-SE de outro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.

Quem sente o meu sentimento
sou EU só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou EU só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou EU só, e mais ninguém.

DÃO-SE os lábios, DÃO-SE os braços
DÃO-SE os olhos, DÃO-SE os dedos,
bocetas de mil segredos
DÃO-SE em pasmados compassos;
DÃO-SE as noites, e DÃO-SE os dias,
DÃO-SE aflitivas esmolas,
abrem-se e DÃO-SE as corolas
breves das carnes macias;
DÃO-SE os nervos, DÁ-SE a vida,
DÁ-SE o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
DÁ-SE TUDO e nada fica.

Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este OFERECER-SE de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este DAR-SE, este ENTREGAR-SE,
DESCOBRIR-SE, e DESFLORAR-SE,
é NOSSO de mais ninguém !

António Gedeão

12 março 2007

NOTAS, ACONTECIMENTOS & EVENTOS III


Hoje, Segunda dia 12 de Março

21.30 h - Bar Dominó do Casino de Espinho, Espinho
Sessão da Onda Poética, grupo do qual faço parte. Coordenada como sempre pelo poeta Anthero Monteiro, esta sessão terá uma segunda parte de poemas dedicados à Lua. A primeira parte estará a cargo de José Carlos Tinoco e Juca Rocha (piano), conhecidos, entre outras coisas, pelas suas sessões poéticas habituais nos bares Triplex e Labirintho, no Porto.

10 março 2007

CAMINHEMOS SERENOS


Sob as estrelas, sob as bombas,
sob os turvos ódios e injustiças,
no frio corredor de lâminas eriçadas,
no meio do sangue, das lágrimas
CAMINHEMOS SERENOS.

De mãos dadas,
através da última das ignomínias,
sob o negro mar da iniquidade
CAMINHEMOS SERENOS.

Sob a fúria dos ventos desumanos,
sob a treva e os furacões de fogo
aos que nem com a morte podem vencer-nos
CAMINHEMOS SERENOS.

O que nos leva e indestrutível,
a luz que nos guia connosco vai.
E já que o cárcere é pequeno
para o sonho prisioneiro,

já que o cárcere não basta
para a ave inviolável,
que temer, oh minha querida?
CAMINHEMOS SERENOS.

No pavor da floresta gelada,
através das torturas, através da morte,
EM BUSCA DO PAÍS DA AURORA,
DE MÃOS DADAS QUERIDA, DE MÃOS DADAS,

CAMINHEMOS SERENOS.

Papiniano Carlos

07 março 2007

MÃE


Momento sublime,
Eis um final de dia no princípio do Verão.
Tudo refresca, agora,
No momento da meia-luz.
A erva ainda está verde,
Mas o pó já se levanta pelos caminhos
A anunciar a secura de um Agosto.
Aqui ao lado, corre o cano de uma fonte,
Com uma bica de água,
Canção de embalar que traz ecos
De outras recordações de Verão...
As árvores recortam-se já, como sombras,
Contra o céu sereno,
Onde voam, aqui e além,
Farrapos de nuvens esquecidos.
Ao meu nariz, apresentam-se cheiros suaves,
Frescos e penetrantes:
Da terra dos caminhos,
Das acácias ondulando na brisa,
Da água e da frescura da relva.
Nao tenho sede, mas apetece-me beber desta água,
Como se com isso bebesse também o momento
E a paisagem.
Apetece-me parar o tempo,
Ficar aqui, sempre no meio,
Sempre na meia-luz,
Envolto desta frescura perfumada e inebriante.
Queria estirar-me ao comprido, no chão,
Arrancar esta erva fresca aos punhados e devorá-la,
Rebolar-me nela como um rafeiro
E por fim adormecer, de barriga para o ar..!
Oh, natureza, natureza mágica, cristalina!
Quanto te devo, diz-me?
Quanto te deve a minha alma?
Quantas vezes, de pequeno,
Não brinquei com cachorros e miúdos como eu, na relva,
Descrevendo piruetas e cambalhotas?
Quantas vezes não trepei, e me pendurei, e me baloucei,
Nos galhos de pinheiro ou oliveira?
Quantas vezes colhi a flor da giesta e coloquei num boné,
Para dar aos rebanhos de cabras
Que povoam ainda os meus sonhos de infância?
Quantas vezes fui às capelinhas e rosmaninhos,
Por alturas do S. João?
E corri e brinquei,
E cresci e sonhei,
No meio das matas.
Quantas vezes afinal,
Me banhei em águas puras e frescas,
Sentindo na pele e nos cabelos o ondular da brisa,
Percorrendo as copas dos amieiros e dos salgueiros?
Oh, meu deus, e há quanto tempo
Nao ouço cantar o cuco,
Nem o som das cigarras em noites de Verão,
Com a aldeia às soleiras das portas?
Quanto te devo, afinal, quanto és em mim?
Quanto eu sou teu?
Tanto...
E no entanto,
Nunca condignamente te cantei,
Nunca aos teus pés me ajoelhei e chorei, Deusa-Mãe !!
Porque eu devo-me a ti,
Pois que me fizeste a mim
E, qual marca eterna e inapagável,
Em mim permaneces e em mim te revelas...!
Nunca quis cortar o cordão umbilical.
Mesmo de pulmões intoxicados,
E de alma turva e conturbada,
Sinto-te ao chegar.
E calço uns ténis velhos e sujos pelo tempo,
Percorrendo as matas e os vales,
Como se fosse ainda criança e velasses por mim...
As silvas arranham-me na tentativa de me afagarem,
Os tojos abraçam-me com saudade,
Mas cicatrizes e feridas em pernas e braços,
Não chegam para apagar o sorriso da minha cara iluminada,
O sorriso de quem regressa, sempre,
Para ti,
O sorriso de quem nunca partiu de facto,
Uma vez que por todo o lado me acompanhaste.
Obrigado, mãe, obrigado !
Desculpas-me as travessuras, que eu sei...
Não importa o quanto me afaste,
Pois nunca me afastarei o suficiente
Para deixar de ser,

SEMPRE
IRREVOGAVELMENTE

...............TEU !
Luis Beirão

06 março 2007

NOTAS, ACONTECIMENTOS & EVENTOS II


Hoje, Terça, dia 06 de Março

22 h - Espinho (restaurante do Kartódromo)
Sessão de poesia semanal "Duas de letra". Sessão intimista, conversa intercalada com música, poemas e anedotas. Entrada livre e participação também. Vou estar presente, bem como alguns amigos meus.

21.30 h - Famalicão (bar da Casa das Artes)
Sessão mensal habitual do Conto e da Poesia. Música, conto e poesia. Tertúlia que reúne uma vez por mês, na 1ª Terça-Feira de cada mês.

Amanhã, Quarta, dia 07 de Março

24 h - Púcaros Bar, Miragaia (Porto)
Habitual noite de poesia semanal do Púcaros Bar. Das tertúlias de poesia mais antigas do país, que reúne ininterruptamente desde há mais de 10 anos a esta parte, todas as Quartas. Esta semana, decorre a apresentação do livro de Pedro Ribeiro "Saloon" em simultâneo com a habitual sessão poética de participação livre.

02 março 2007

NOTAS, ACONTECIMENTOS & EVENTOS


Sábado dia 03 de Março

17 h - Livraria Pulga Parque Itália, Porto

Lançamento do livro "Saloon" de Pedro Ribeiro, serve como pretexto para uma tertúlia poética, maioritariamente centrada em poemas do autor, e onde estarão vários dizedores destas coisas de poesias.

21.30 h - Visionarium, Europarque, Santa Maria da Feira

Sessao poética com poemas dedicados à Lua, a pretexto do eclipse que acontecerá essa noite. Organização do meu caro amigo e poeta Anthero Monteiro, com presença de elementos da Onda Poética (tertúlia de poesia que reúne uma vez por mês no Bar Dominó do Casino de Espinho). Após a sessão, pode-se presenciar o eclipse ao vivo e particpar em diversas actividades.

01 março 2007

ÁLCOOL


Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longemente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.
-
Batem asas de auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de cor e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Descem-me a alma, sangram-me os sentidos.
-
Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo...
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...
-
Corro em volta de mim sem me encontrar...
Tudo oscila e se abate como espuma...
Um disco de oiro surge a voltear...
Fecho os meus olhos com pavor da bruma...
-
Que droga foi a que me inoculei?
Ópio de inferno em vez de paraíso?...
Que sortilégio a mim próprio lancei?
Como é que em dor genial eu me eternizo?
-
Nem ópio nem morfina. O que me ardeu,
Foi álcool mais raro e penetrante:
É só de mim que ando delirante...
Manhã tão forte que me anoiteceu.
...
Mário de Sá-Carneiro

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