28 maio 2007

AURORA BOREAL


Tenho quarenta janelas
nas paredes do meu quarto.
Sem vidros nem bambinelas
posso ver através delas
o mundo em que me reparto.
Por uma entra a luz do Sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas
que andam no céu a rolar.
Por esta entra a Via Láctea
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.
Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza
que inunda de canto a canto.
Pela quadrada entra a esperança
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.
Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala
à semelhança das ondas.
Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa,
e o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio
a que se chama poesia,

e a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade,
e o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo,
todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar!
Com tanta janela aberta
falta-me a luz e o ar.


António Gedeão

24 maio 2007

ECLIPSE


Naquela tarde eu contemplava, ansioso,
A lua das marés:
Ia ver um fenómeno curioso,
Pela primeira vez.

Desde as sete horas que eu me achava pronto,
Pois vinha no jornal
Que se daria, às sete e meia em ponto,
O eclipse total.

E a lua, a pouco e pouco desmaiando,
Sumia-se no ar,
Como se um monstro a fosse devorando,
Na sombra... devagar...

Um moço poeta, rouxinol das praias,
Um óculo ofereceu,
A ti, meu casto Ptolomeu de saias,
Geómetra do céu!

Ah, bem dizem as lendas, os adágios,
E as bruxas do Sabá,
Que os eclipses da lua são presságios,
Sinais de coisa má!

António Nobre

23 maio 2007

NOTAS, ACONTECIMENTOS & EVENTOS X

Quinta-Feira, dia 24 de Maio, pelas 21.30 h

Localidade: Vergada
Local: Copubar
Organização: Liga de Melhoramentos da Vergada
Evento: Noite de poesia sem grande alinhamento prévio, dentro da temática da comida e da bebida e poesia de bar. Como sempre, convida-se quem quiser a estar presente.

Nota: O Copubar fica na rua principal da localidade da Vergada (Argoncilhe, Santa Maria da Feira). Ao entrar na localidade, sempre em frente, está devidamente sinalizado no lado esquerdo.

Indicações direccionais:

Vindos do Porto (Norte): seguir pela A 29, sair em Espinho-Picoto e seguir na direcção Picoto até à grande rotunda final (alternativamente, pode ir pela EN1 a partir dos Carvalhos, indo dar à mesma rotunda do Picoto). Na rotunda, vira logo na 1.ª saída à direita (E.N. 1 ) e alguns metros depois sai no primeiro desvio à esquerda e vira logo à direita. Está na rua principal da Vergada e é só ir em frente até encontrar o local.
Vindos de Espinho: Rua 19 acima até ao Picoto e o resto é igual.
Vindos do Sul: Ir por S. João de Ver, atravessar Lourosa (pela E.N. 1) e ao sair desta virar à direita, entrando na estrada principal da Vergada: o Copubar é a menos de 500 m do lado direito.

22 maio 2007

MENSAGEM


Não me posso render, haja o que houver.
Salvar a vida pouco me adianta.
O pendão que levanta
A minha decidida teimosia,
Transcende a noite e o dia
De uma breve e terrena duração.
Luto por todos e também por mim,
Mas assim:
Desprendido da própria perdição.
É o espírito da terra que eu defendo,
Numa cega constância de namorado:
Esta causa perdida em cada instância,
E sempre a transitar de tempo e de julgado.
.
Miguel Torga
..
Nota: Poema curto mas belíssimo, dedico ao amigo Carlos Andrade, na voz de quem já o ouvi cantado muitas vezes.

18 maio 2007

AS MINHAS NOITES

As minhas noites são negras,
Negras das insónias,
Dos pensamentos arbóreos
Que se sucedem, saltitantes,
Sem atingir o final.

Negras,
Como negras são as vielas das cidades,
Onde teimam em vaguear
Seres errantes.

As minhas noites
São cor de cinza,
De um cinza desbotado e desfocado,
Como fotos velhas, e recordações...

As minhas noites
São amarelas,
Amarelas como as luzes e letreiros de néon,
Como o ouro sagrado
Das minhas ambições,
Como os pensamentos intensos e febris
Que por vezes dormem comigo no leito.

As minhas noites
São vermelhas,
Vermelhas como os desejos imensos
Encarcerados no peito,
Como o sangue que jorra, que pulsa, que corre!

Nas minhas noites algo vive
Que, à luz do dia,
Morre...

As minhas noites
São ventos
E são marés,
São flores,
São primavera.
Nas minhas noites tudo é
Eterno compasso de espera...

As minhas noites
São risos,
São choros,
Num tempo por desvendar,
São ciclones, turbilhões,
Mistérios por decifrar!

As minhas noites
São sede,
Constante,
Por satisfazer.
E há nelas uma vaga ideia,
Silhueta de mulher...

As minhas noites são lentas,
Absurdas,
Vazias,
Frias,
Até que o sono vier...!

Pensamento enevoado
Que depois se fecha a trancas,
As minhas noites, horas longas,
E nelas as angústias tantas!

As minhas noites são negras...
As minhas noites são brancas!

Luis Beirão

16 maio 2007

NOTAS, ACONTECIMENTOS & EVENTOS IX


Amanhã, Quinta, 17 de Maio, Espinho
Bar Cerveja Biva 22 h

Um copo de poesia (poesias sobre bebida, comida, ambiente de bar, etc)
Poemas de Baudelaire, Gedeão, Ary, Ruy Belo, Sousa Braga, Fanha, Cesariny, Régio, Campos, Pessoa, Brecht, e muitos mais, nas vozes de: Alexandra Mota, Ana Afonso, Anthero Monteiro, Carlos Jorge, Diana Devezas, Gilberto Pereira, Luis Carvalho, entre outros.

Nota final: Recordo também a sessão das Quartas MalDitas de hoje, cerca das 22 horas, no Clube Literário do Porto (ver nota aqui em baixo)., cujo convidado é o poeta João Habitualmente.

14 maio 2007

NOCTURNO


O desenho redondo do teu seio
Tornava-te mais cálida, mais nua
Quando eu pensava nele... Imaginei-o,
À beira-mar, de noite, havendo lua...

Talvez a espuma, vindo, conseguisse
Ornar-te o busto de uma renda leve
E a lua, ao ver-te nua, descobrisse,
Em ti, a branca irmã que nunca teve...

Pelo que no teu colo há de suspenso,
Te supunham as ondas uma delas...
Todo o teu corpo, iluminado, tenso,
Era um convite lúcido às estrelas....

Imaginei-te assim à beira-mar,
Só porque o nosso quarto era tão estreito...
- E, sonolento, deixo-me afogar
No desenho redondo do teu peito...

David Mourão-Ferreira

08 maio 2007

POEMA DO HOMEM NOVO


Neil Armstrong pôs os pés na Lua
e a Humanidade inteira saudou nele
o Homem Novo.
No calendário da História sublinhou-se
com espesso traço o memorável feito.

Tudo nele era novo.
Vestia quinze fatos sobrepostos.
Primeiro, sobre a pele, cobrindo-o de alto a baixo,
um colante poroso de rede tricotada
para ventilação e temperatura próprias.
Logo após, outros fatos, e outros e mais outros,
catorze, no total,
de película de nylon
e borracha sintética.
Envolvendo o conjunto, do tronco até os pés,
na cabeça e nos braços,
confusíssima trama de canais
para circulação dos fluidos necessários,
da água e do oxigénio.
A cobrir tudo, enfim, como um balão de vento,
um invólucro soprado de tela de alumínio.
Capacete de rosca, de especial fibra de vidro,
auscultadores e microfones,
e, nas mãos penduradas, tentáculos programados,
luvas com luz nos dedos.

Numa cama de rede, pendurada
da parede do módulo,
na majestade augusta do silêncio,
dormia o Homem Novo a caminho da Lua.

Cá de longe, na Terra, num burburinho ansioso,
bocas de espanto e olhos de humidade,
todos se interpelavam e falavam
do Homem Novo,
do Homem Novo,
do Homem Novo.

Sobre a Lua, Armstrong pôs finalmente os pés.
Caminhava hesitante e cauteloso,
pé aqui,
pé ali,
as pernas afastadas,
os braços insuflados como balões pneumáticos,
o tronco debruçado sobre o solo.

Lá vai ele.
Lá vai o Homem Novo
medindo e calculando cada passo,
puxando pelo corpo como bloco emperrado.

Mais um passo.
Mais outro.
Num sobrehumano esforço
levanta a mão sapuda e qualquer coisa nela.
Com redobrado alento avança mais um passo,
e a Humanidade inteira,
com o coração pequeno e ressequido,
viu, com os olhos que a terra há-de comer,
o Homem Novo espetar, no chão poeirento da Lua, a bandeira da sua Pátria,
exactamente como faria o Homem Velho.

António Gedeão

03 maio 2007

QUANDO A LUA VIER TOCAR-ME O ROSTO


Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e aquele que procurar a marca dos teus passos
encontra urtigas crescendo
por sobre o teu nome.
Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e uma gota de sangue ressequido
é a marca dos teus passos.
No coração do tempo pulsa um maquinismo ínscio
e na casa do tempo a hora é adorno.
Quando a lua vier tocar-me o rosto a tua sombra extinta
marca o fim de um eclipse horário de uma partida iminente
e o tempo apaga a marca dos teus passos
por sobre o meu nome.
Constante.
O mar é isso.
A lua vir tocar-me o rosto e encontrar urtigas
crescendo por sobre o teu nome.
O mar é tu morreste.
O mar é ser noite e vir a lua tocar-me o rosto quando tu partiste
e no meu leite crescem folhas sangue.
A velocidade do sangue é tu partiste.
A febre é uma pira incompreensível como a aparição da lua
e a opacidade do mar.
No meu leito a lua vai tocar-me o rosto e a tua ausência é um prisma, um girassol em panóplia.
Agora a lua chega devagar e o mar é leito de tu teres partido,
uma infrutescência de eu procurar a marca dos teus passos
por sobre o meu rosto.
A noite é eu procurar a marca dos teus passos.
Esta noite a lua terá um halo de concêntricas florações
de gotas do teu sangue
e a irisada sombra do meu leito é o teu rosto iminente.
A lua é uma seta.
Tu partiste é o silêncio em forma de lança.
Esta noite vou erguer-me do meu leito
e quando a lua vier tocar-me o rosto
vou uivar como um lobo.
Vou clamar pelo teu sangue extinto.
Vou desejar a tua carne viva, os teus membros esparsos,
a tua língua solta.
O teu ventre, lua.
Vou gritar e enterrar as unhas nos teus olhos até que o mar se abra
e a lua possa vir tocar-me o rosto.
Esta noite vou arrancar um cabelo e com a tua ausência
faço um pêndulo para interrogar a lua por tu teres partido
e a marca dos teus passos ser a razão mágica
de a lua poder surgir de noite
e urtigas crescerem no meu leito.
E se encontrar a marca dos teus passos vou crivar-lhe
o coração de alfinetes
para que tu partiste seja a razão mágica de tu poderes morrer-te.
Quando a lua vier em forma de lança vai trespassar um pássaro
para lhe ler nas entranhas a direcção
tu partiste e a marca dos teus passos consiste nos olhos
abertos de um pássaro esventrado.
Ah, mas o luar é uma pluma do meu leito
e a lua é o colo de tu morreste para poderes enfim
.
tocar-me o rosto.
.
.
Ana Hatherly
.
Nota: Por motivos de organização do espaço ou para realçar a última expressão, por vezes a divisão entre os vários versos está alterada. Procuro sempre em qualquer poema aqui colocado respeitar o original no que às palavras diz respeito, mas quanto à questão da forma aconselha-se confirmar sempre que possível com o poema original.

02 maio 2007

NOTAS, ACONTECIMENTOS & EVENTOS VII

Caros amigos, eis aqui um apanhado dos próximos eventos onde estarei, e onde (como sempre) terei todo o gosto na presença de quem puder aparecer:

- Hoje, Quarta, dia 02 de Maio, pelas 22 h - Clube Literário do Porto
(entre o Infante e a Alfândega)
Sessão das Quartas MalDitas (evento quinzenal, desta feita com tema livre, participação aberta a todos quantos queiram ler, além do grupo habitual)

- Sábado, dia 5 de Maio (hora a definir) - Fundação Cupertino de Miranda (Porto)
(provavelmente depois de almoço, inserido numa exposição de arte, mas sobre este assunto, actualizarei mais tarde)

- Sexta, dia 11 de Maio, pelas 21.30 h - Biblioteca Pública de S.Paio de Oleiros
Noites de Poesia do Quarto Crescente (organização da Biblioteca, na figura do amigo Anthero Monteiro)

- Segunda, dia 14 de Maio, pelas 21.30 - Bar Dominó do Casino de Espinho
Sessão de Poesia da Onda Poética (desta vez com leitura de poemas subordinados ao tema da loucura).

- Quarta, dia 16 de Maio, pelas 22 h - Clube Literário do Porto
Sessão das Quartas MalDitas (convidado especial: João Habitualmente, leitura de poemas relacionados com o convidado ou de sua autoria)


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