03 abril 2007

ESTA VELHA ANGÚSTIA

*
Esta velha angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.

Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que...,
Isto.

Um internado num manicómio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicómio sem manicómio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim...

Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.

Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer -
Júpiter, Jeová, a Humanidade -
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!

Álvaro de Campos

1 comentário:

Anónimo disse...

Revejo-te nos olhos brilhando
para além da lua.
Encaro-te no sorriso aguçado
de serranias
e abraço-te no silêncio
do vento quente
que vem da raia a salto.

Encontro-te na poesia
dita em palavras que rasgam
a tristeza e a alegria
que se encontram
lá onde a maresia não chegou
em aromas de antípodas
desconhecidos e perdidos.

Guardo-te no ondular da amizade
que brota das fontes
de juventude que nunca houve
em água acreditada no meio
do quotidiano compasssado
com flores esquecidas nas jarras
de mármore amarelado.

E à noite, quando é a hora
de regressar ao vinho
que perpetua o sono nas noites
sem destino nem luz ténue
É sempre um amigo que me carrega
às costas fortes de beirão
se for preciso ligar o motor
da amizade que nos sustenta! - PARA O LUÍS BEIRÃO DO AMIGO R.T.


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