23 abril 2007

ADEUS


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certezade que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

3 comentários:

Anónimo disse...

A palavra "Adeus" é escrita de mesma forma como todas as outras, com consoantes e vogais...a que distingue das outras, é a forma que nos permite começar uma nova fase...colocar um ponto final em algo. Custa sempre...mas a aventura apimenta a nova mudança!

Claudia Sousa Dias disse...

Lindo.

Na tua voz ou na da Mirró.

Eugénio e o desamor.

Dói sempre, quando, entre os amantes, nada mais resta do que palavras vazias...


CSD

Anónimo disse...

É muito bonita esta forma de falar de "palavras gastas" em forma de declaração continuada de amor. Para mim, quando alguém se exprime assim é porque as palavras ainda não estão gastas.
L.D.


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