17 abril 2017

PROMETEU


Encobre o teu céu, ó Zeus,
Com vapores de nuvens,
E, qual menino que decepa
A flor dos cardos,
Exercita-te em robles e cristas de montes;
Mas a minha Terra
Hás-de-ma deixar,
E a minha cabana, que não construíste,
E o meu lar,
Cujo braseiro
Me invejas.

Nada mais pobre conheço
Sob o sol do que vós, ó Deuses!
Mesquinhamente nutris
De tributos de sacrifícios
E hálitos de preces
A vossa majestade;
E morreríeis de fome, se não fossem
Crianças e mendigos
Loucos cheios de esperança.

Quando era menino e não sabia
Para onde havia de virar-me,
Voltava os olhos desgarrados
Para o sol, como se lá houvesse
Ouvido para o meu queixume,
Coração como o meu
Que se compadecesse da minha angústia.

Quem me ajudou
Contra a insolência dos Titãs?
Quem me livrou da morte,
Da escravidão?
Pois não foste tu que tudo acabaste,
Meu coração em fogo sagrado?
E jovem e bom — enganado —
Ardias ao Deus que lá no céu dormia
Tuas graças de salvação?!

Eu venerar-te? E por quê?
Suavizaste tu jamais as dores
Do oprimido?
Enxugaste jamais as lágrimas
Do angustiado?
Pois não me forjaram Homem
O Tempo todo-poderoso
E o Destino eterno,
Meus senhores e teus?

Pensavas tu talvez
Que eu havia de odiar a Vida
E fugir para os desertos,
Lá porque nem todos
Os sonhos em flor frutificaram?

Pois aqui estou! Formo Homens
À minha imagem,
Uma estirpe que a mim se assemelhe:
Para sofrer, para chorar,
Para gozar e se alegrar,
E para te não respeitar,
Como eu!


Johann Wolfgang Van Goethe


Imagem: Prometeu Acorrentado, quadro de Rubens. 
Tradução (original alemão): Paulo Quintela.


Nota: Goethe nasceu em Frankfurt am Main a 28 Agosto 1749 e faleceu em Weimar a 22 Março 1832. É considerado a mais importante figura da literatura alemã e do Romantismo na Europa. Escreveu romances, peças de teatro, poemas e reflexões sobre arte, literatura e ciências. Era o filho mais velho de Johann Caspar Goethe, homem culto e jurista que nunca exerceu, pois vivia dos rendimentos da fortuna, tal como a mãe, Catharina Elisabeth Textor Goethe, de uma família de poder económico e social. Educados pelo pai e por tutores, Goethe e a irmã aprenderam francês, inglês, italiano, latim, grego, ciências, religião e desenho. Goethe teve aulas de violoncelo, piano, dança e equitação. A família tinha uma biblioteca com mais de 2000 volumes. Por decisão do pai, mas com pouco interesse, Goethe foi para a Faculdade de Direito de Leipzig (1765). Dedicou-se mais a desenho, xilogravura e gravura em metal, teatros e noites na boémia até que, doente, voltou para a casa dos pais. Publicou a primeira obra em 1769 (20 anos) e em 1770 volta aos estudos de Direito, agora em Estrasburgo (actual França), onde conheceu Herder, que lhe incutiu gosto por Homero, Shakespeare e Ossian e pela poesia popular (Volkspoesie). Escrevia poemas a Friederike Brion, com a qual mantinha um romance. Um ano depois, licencia-se. De volta a Frankfurt, trabalha sem muito ânimo no escritório de advocacia e escreve aquela que veio a ser publicada como Götz Von Berlichtungen (O Cavaleiro da Mão de Ferro), peça considerada a primeira obra do movimento que criou mais tarde com Schiller, “Tempestade e Ímpeto” (Sturm und Drang). Em 1772 mudou-se para Wetzlar para trabalhar na sede da corte da justiça imperial, onde conheceu Charlotte Buff (noiva do colega Johann Kestner), por quem se apaixonou. O escândalo obrigou-o a deixar Wetzlar, mas em 1774, deu origem ao romance “Os Sofrimentos do Jovem Werther” (1774, 25 anos) que o tornou famoso em toda a Europa, no período mais produtivo da sua escrita. Em 1775, Carlos Augusto, novo governante de Saxe-Weimar-Eisenach convida Goethe a mudar-se para a capital. Acusado pela população de desencaminhar o príncipe, este faz Goethe comprometer-se com o governo, como ministro. Viveu aí até 1786, exercendo diversas funções político-administrativas e vivendo um romance com Charlotte von Stein. Mas restava-lhe pouco tempo para a poesia, passando a ocupar-se com pesquisas de ciências naturais (geologia, botânica, etc). Torna-se membro dos Illuminatti (maçonaria). Desiludido por não ter tempo para a sua escrita, em 1786 partiu para a Itália usando um pseudónimo, para não ser reconhecido, onde se encantou pelas obras de arte clássicas e do Renascimento e regressou apenas 2 anos depois. Casa-se com Christiane Vulpius de 23 anos, de origem simples, sem prestígio social. Mesmo com a pouca aceitação da sociedade casam-se em 1806 (ele tem 57 anos), no ano em que a cidade foi invadida pelas tropas napoleónicas. Ela morre 10 anos depois. Entre 1791 e 1817, Goethe dirigiu o teatro de Weimar. Em 1794 inicia a sua amizade com Schiller, que o convence a retomar a escrita da sua obra prima, o bem conhecido drama trágico “Fausto” (1790), cuja segunda parte só foi concluída em 1832, ano da sua morte, pelo que lhe tomou a vida inteira. Em 1805, graças a Hegel, Goethe é nomeado professor na Universidade de Berlim, e em 1808 é mesmo condecorado por Napoleão, apesar das suas reservas acerca da Revolução. Começa a ter grandes períodos de doença e aos 82 anos acaba por falecer. Está sepultado no Cemitério Histórico de Weimar ao lado do amigo Schiller.


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