26 agosto 2016

SAUDADES DO FUTURO


Martelam-me ainda a cabeça
todos esses grandes pequenos projectos
que nunca abracei
e já me revolvem a mente
todos esses pequenos grandes projectos
que eventualmente
virei a abraçar
hesito entre a terra
e a imensidão do céu
águia adiada
mas planta inútil mera trepadeira
doí-me o coração
pelos voos que não fiz
e pelas raízes que não consolidei
pelas energias que não drenei
e pelas alturas que nunca alcancei
em todo o caso forço-me a ser
de qualquer modo
o que não sou
fica sempre a saudade
do que sou agora
é dessa matéria que de facto sou feito
uma saudade opressora
permanente
por antecipação
saudade da terra onde agora bebo
e do horizonte onde me perco
e saudade de ambos
e saudade de tudo
ao fim e ao cabo
do que fui
do que sou
do que serei
há que despir-me de mim
para poder ser eu
e é esse talvez o maior dilema
trocar de corpo
a cada mutação
sou
e já tenho saudades do que sou
já me vou despedindo de mim
numa permanente nostalgia
e por isso não quero deitar-me
pois sei que pela manhã
já não existirei
mas acabarei por deitar-me
forçosamente
por isso me despeço
com estas palavras
gravadas assim na memória do tempo
na certeza porém
de que ao amanhecer
olharei estas frases
como as de um estranho
e sobre elas verterei lágrimas
cheio de saudades de mim...



Luís Beirão


2 comentários:

Claudia Sousa Dias disse...

Afastas-te do eu para a ti regressares. very good!

Luis Beirão disse...

o conceito de saudade por antecipação sempre foi muito interessante, é um pouco à volta disso...
uma das diferenças entre lembrança e saudade é que a última não se limita a beber no passado, reflecte-se no presente e determina o futuro, esse aspecto sempre se me afigurou como interessante...


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