07 julho 2008

A UM AUSENTE


Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.

Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o acto* sem continuação, o acto em si,
o acto que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?

Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.

Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.


Carlos Drummond de Andrade

* no poema original, dado o autor ser brasileiro, a palavra é ato.

7 comentários:

tecas disse...

Naveguei pelo paraíso poético que é o teu blogue, meu amigo Luís.
Pedaços de Alma é a tua alma de poeta. Os meus parabéns. Muito bem escolhido.
Bjibjibji

Luis Beirão disse...

Olá Teresa,

Folgo em saber que andaste a espreitar. Espero que possas voltar, e que possas fruir os poemas como também descobrir utilidade neste espaço (que lentamente se torna uma base - não de dados - de poemas).
Pedaços de alma é o reconhecimento de que todos nós somos, não um só, mas diversos. E é a poesia (e arte em geral) a melhor manifestação dessa nossa diversidade interior.

Bjs,
Luis

Claudia Sousa Dias disse...

gosto. vais declamá-lo na 3ª?

CSd

Luis Beirão disse...

Claúdia,

A ver vamos... certamente que, pelo menos, vou levá-lo comigo. Mas este é um poema que só tem cabimento em certos contextos, pois não se presta ao "foguetório" em que por vezes se tornam certos ambientes. Não que isso seja mau, mas cada coisa no seu espaço, e este poema não cabe em certos ambientes, exige alguma circunspecção.

Bjs,
Luis

Claudia Sousa Dias disse...

concordo...


bjo grande

Anónimo disse...

Olá Luís,
"... leis da amizade e da natureza..." Quais leis??? Não podem existir leis.... Gostei Muito! do poema! da imagem!

bj
MCéu

Luis Beirão disse...

Olá Maria do Céu,

Essa de não poderem existir leis é uma ...lei (eh, eh)... de inspiração anárquica ;-)

Agora a sério, entendi o que quis dizer. A espontaneidade e sinceridade são inimigas da rigidez e da inflexibilidade...

Gostei que tivesse gostado.

Bjs,
Luis


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