10 março 2008

QUERO-TE



Disse-to com o vento,
Brincando como cachorrinho na areia
Ou irado como órgão impetuoso;

Disse-to com o sol,
Que doura desnudados corpos juvenis
E sorri em todas as coisas inocentes;

Disse-to com as nuvens,
Frentes melancólicas que sustêm o céu,
Tristezas fugitivas;

Disse-to com as plantas,
Leves criaturas transparentes
Que se cobrem de repentino rubor;

Disse-to com a água,
Vida luminosa que vela um fundo de sombra;
Disse-to com o medo,
Disse-to com a alegria,
Com o fastio, com as terríveis palavras.

Mas assim não me basta:
Muito para além da vida,
Quero dizer-to com a morte;
Muito para além do amor,
Quero dizer-to com...
o esquecimento.


Luis Cernuda

Nota: Poeta nascido em 1902 em Sevilha, onde começou a estudar Direito em 1919. Ao ter contacto com a literatura, muda-se para Madrid, onde fez parte da famosa "Geração de 27". Justamente em 1927, publica o seu primeiro livro. Trabalhou como leitor de espanhol na Universidade de Toulouse (França). Recebeu com entusiasmo a proclamação da República em Espanha e participou activamente nas "trincheiras culturais anti-fascisctas" da Guerra Civil, ao lado de poetas como Rafael Alberti ou Gil Albert. Em 1938 viajou para Inglaterra, iniciando o seu exílio. Em 1947 foi dar aulas na universidade americana de Mount Holyok, e em 1952 mudou-se para o México, onde viria a falecer em 1963. Para os mais curiosos, aqui fica o espanhol, no original:

Te quiero.

Te lo he dicho con el viento,
jugueteando como animalillo en la arena
o iracundo como órgano impetuoso;

Te lo he dicho con el sol,
que dora desnudos cuerpos juveniles
y sonríe en todas las cosas inocentes;

Te lo he dicho con las nubes,
frentes melancólicas que sostienen el cielo,
tristezas fugitivas;

Te lo he dicho con las plantas,
leves criaturas transparentes
que se cubren de rubor repentino;

Te lo he dicho con el agua,
vida luminosa que vela un fondo de sombra;
te lo he dicho con el miedo,
te lo he dicho con la alegría,
con el hastío, con las terribles palabras.

Pero así no me basta:
más allá de la vida,
quiero decírtelo con la muerte;
más allá del amor,
quiero decírtelo con el olvido.

8 comentários:

Ana Ferreira disse...

Mas assim não me basta:
Muito para além da vida,
Quero dizer-to com a morte;

Que belo poema!
Não conhecia...
Tens andado com um rasto de inspiração para encontrar poetas que é qualquer coisa...
E em espanhol parece que tem uma dimensão melódica muito interessante...
Beijocas

Luis Beirão disse...

Olá Ana,

Sim, em espanhol é ainda mais bonito, e de facto muito melodioso. Gostei muito deste poema logo imediatamente, quando um amigo mo deu a ler.

Bjs

Ana Ferreira disse...

Te lo he dicho con el agua,
vida luminosa que vela un fondo de sombra;
te lo he dicho con el miedo,

Com o esquecimento!

Muitas vezes é assim o Amor!
Mesmo não se declarando.. ninguém pode fugir ao que sente!
Quem consegue entender os meandros do Amor....
Bj

Luis Beirão disse...

Ana, o interessante são as expressões, por exemplo, água como viad luminosa, que vela um fundo de sombra... lindíssimo.

Shadow disse...

Tropecei neste Blog por acaso... Gustei mt... Tinha saudades de boa poesia...

Luis Beirão disse...

Olá Shadow,

Estás à vontade para tropeçar sempre que quiseres ;-).

Poesia Portuguesa disse...

Olá...

Espero que não se importe que tenha levado "emprestdo" um poema seu.
Algum inconveniente, será de imediato apagrado.

Um abraço e grata pela partilha ;)

Luis Beirão disse...

Boa tarde!

De forma alguma me importo. A poesia (como de resto todas as coisas bonitas) só faz sentido se for para ser partilhada, para que cada qual a possa fruir livremente e de acordo com os seus sentidos. Desde que se mencione o nome do autor, por mim tudo bem. E sensibiliza-me a sua selecção, tanto mais que é um poema dos mais "escondidos" (pois que dos primeiros posts) deste blog.

Abraço


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