02 setembro 2007

GINSBERG MORREU



Caos desordem tumulto
geometrizados pela polícia
vigiando as plaquetas sanguíneas do hábito
assim a vida se consente
para uma técnica de precário existir
não para o mergulho no vulcão

sabe-se aliás que o vulcão
não rumina aquela chama definitiva
da lenda de Empédocles
vulcão anestesiado em realidade virtual
é o que nos pode oferecer
este tempo de camélias nado-murchas

clamámos em tempos recentes
por "mais luz" pensando auferi-la
sem que dela o gerador não fosse
o dom conseguido em assumida melancolia
ousámos alegria sem espaço próprio
e lográmos dela o simulacro fantasmático

vulcão estropiado
destroços de terra gretada de vazio
mas vazio sem a paixão do seu eco desdobrado
o "horror económico" alguém escreve
apenas a mãe-pelicano arrancando ao peito próprio
o alimento derradeiro para os filhos

já não podemos soltar o "uivo"
lobos criados em cativeiro
e postos à deriva na floresta
de turistas incêndios e outras devastações
lobos perdidos sem referências
nem códigos de antiga altivez solitária

no fim de contas esse "uivo"
nunca passou de ténue miar
de gatos familiares
hoje ronronam uns velhos e lustrosos nos sofás
outros conformados estão com o rato como presa trivial
o maior número enganou-se no beco e não voltou....

Levi Condinho

Nota: Talvez dos poucos poetas portugueses na senda da tradição beatnik (beat generation). A sua escrita está cheia de alusões ao jazz e à música clássica. Nasceu em Alcobaça em 1941 e foi para Lisboa em 1972. Foi jornalista, cronista, empregado bancário (hoje na na reforma) e tradutor. Este poema foi-me indicado pelo poeta, por contraponto a um outro seu mais antigo que aprecio e que oportunamente publicarei aqui.

6 comentários:

Dalaila disse...

Olá Luis, não conhecia, nem o poema nem o autor, obrigada!

e fico por cá a ronronar à espera de mais.

Luis Beirão disse...

Este poema tem que se lhe diga, enquanto postura da parte do autor em relação (se clahar) a toda a sua geração.

Dalaila disse...

Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes, mas não esqueço de que minha vida é a maior empresa do mundo. E que posso evitar que ela vá à falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver, apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar um oásis no recôndito da sua alma.
(Fernando Pessoa)

Fácil é querer ser amado.
Difícil é amar completamente só. Amar de verdade, sem ter medo de viver, sem ter medo
do depois. Amar e se entregar. E aprender a dar valor somente a quem te ama.(...)
Fácil é sonhar todas as noites.
Difícil é lutar por um sonho. Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata.
(Carlos Drummond de Andrade)

E com isto desejo-te um bom fim de semana

Luis Beirão disse...

Ao fim e ao cabo, só sente a angústia de não poder soltar o "uivo" e só se perturba com "as camélias nado-murchas" aquele cujo espírito, realmente ainda não murchou...
Tomar consciência de que o "vulcão está anestesiado" é uma prova de que, mesmo anestesiado, ele ainda lá está.
A consciência das nossas ausências é pelo menos uma prova que não desistimos de procurar. Há quem não tome nem consciência disso e, isso sim, é que é grave...

Anónimo disse...

Obrigada, Luís Beirão, pela partilha. Não conhecia o poeta, mas gostei, na tristeza de pensar que somos demasiados no simulacro da lenda, uivos no vazio com o fogo à porta. Com a água, o elemento que falta.

Luis Beirão disse...

... e vulcões "anestesiados"... e camélias que já nascem murchas...


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