16 agosto 2017

PORTUGAL



Ó Portugal, se fosses só três sílabas, 
linda vista para o mar, 
Minho verde, Algarve de cal, 
jerico rapando o espinhaço da terra, 
surdo e miudinho, 
moinho a braços com um vento 
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo, 
se fosses só o sal, o sol, o sul, 
o ladino pardal, 
o manso boi coloquial, 
a rechinante sardinha, 
a desancada varina, 
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos, 
a muda queixa amendoada 
duns olhos pestanítidos, 
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos, 
o ferrugento cão asmático das praias, 
o grilo engaiolado, a grila no lábio, 
o calendário na parede, o emblema na lapela, 
ó Portugal, se fosses só três sílabas 
de plástico, que era mais barato! 

*

Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos, 
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã, 
não há "papo-de-anjo" que seja o meu derriço, 
galo que cante a cores na minha prateleira, 
alvura arrendada para o meu devaneio, 
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço. 

Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo, 
golpe até ao osso, fome sem entretém, 
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes, 
rocim engraxado, 
feira cabisbaixa, 
meu remorso, 
meu remorso de todos nós...



Alexandre O'Neill

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