O
meu pai dorme. O seu semblante augusto
parece
um coração aprazível;
está
agora tão doce...
se
há nele algo de amargo, serei eu.
Há
solidão no lar; reza-se,
e
não há notícias dos filhos hoje.
O
meu pai desperta, ausculta
a
fuga para o Egipto, o estancado adeus.
Está
agora tão perto;
se
há algo nele de distante, serei eu.
E
a minha mãe passeia por aí nas hortas,
saboreando
um sabor já sem sabor.
Está
agora tão suave,
tão
alada, tão saída, tão amor
Há
solidão no lar, sem bulício,
sem
notícias, sem verde, sem infância.
E
se há algo quebrado nesta tarde,
e
que baixa e que range,
são
dois velhos caminhos brancos, curvos.
Por eles vai o meu coração a pé.
Por eles vai o meu coração a pé.
Cesar Vallejo
Nota: Nascido
em 1892 em Santiago de Chuco (norte do Peru) é considerado o
maior poeta do seu país e
o mais influente poeta hispano-americano a par de Pablo Neruda. Neto
de mulheres indígenas e mestiço, a sua vida foi marcada pela
pobreza, desamparo e perseguição. O
pai tinha um emprego razoável, mas a família era numerosa. Com 18
anos ingressa na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de
Trujillo, curso que não conclui por falta de dinheiro. Subsistiu
como tutor do filho de um fazendeiro e como
assistente na administração de uma fazenda de açúcar. Em
1915, torna-se professor, mas tem que mudar-se para Lima por
problemas amorosos. Mais tarde director numa escola, conhece
o poeta anarquista Manuel Prada e publica, "Los
Heraldos Negros",
bem acolhido pela crítica. Demitido em 1920 (28 anos), de visita à
sua cidade, é preso por 3 meses, injustamente acusado de instigar
uma confusão na qual um agente da autoridade foi baleado. Em 1922
publica “Trilce",
escrito no cárcere, com uma tiragem de apenas 200 livros (cada um
custou-lhe mais que o lucro total na venda). É novamente demitido do
novo emprego de professor e decide, com 38 anos, mudar-se para Paris,
onde irá conhecer artistas como Artaud, Cocteau ou Picasso. Consegue emprego numa gráfica três anos
depois, tendo quase morrido de fome. Mais tarde obtém uma bolsa de
estudos do governo espanhol, para terminar os estudos de Direito.
Interessa-se pelo marxismo, e vai por 3 vezes à União Soviética.
Passa a viver com Georgette Philipart até ser preso e expulso do
país, para se exilar em Espanha em 1930. Em 1931 regressa, apenas com
uma mala de roupa, e encontra o apartamento destruído pela polícia.
Engaja-se mais tarde na causa republicana na Guerra Civil espanhola,
escrevendo propaganda e dando aulas de doutrina política. Chocado
com os horrores da guerra, em visita a Madrid, escreveu o livro
militante "España,
aparta de mí este caliz",
que não foi publicado em vida, e o livro de poesia "Sermón
de la barbarie".
Casou-se com a companheira em 1934, mas a situação económica foi sempre má, pelo que quando morreu em Paris devido a uma febre
misteriosa (4 anos depois, com apenas 46 anos), era muito pobre.
Nunca mais voltou ao Peru.
Tradução de minha autoria, aqui fica o original em espanhol:
Mi
padre duerme. Su semblante augusto
figura
un apacible corazón;
está
ahora tan dulce...;
si
hay algo en él de amargo, seré yo.
Hay
soledad en el hogar; se reza;
y
no hay noticias de los hijos hoy.
Mi
padre se despierta, ausculta
la
huída a Egipto, el restañante adiós.
Está
ahora tan cerca;
si
hay algo en él de lejos, seré yo.
Y
mi madre pasea allá en los huertos,
saboreando
un sabor ya sin sabor.
Está
ahora tan suave,
tan
ala, tan salida, tan amor.
Hay
soledad en el hogar sin bulla,
sin
noticias, sin verde, sin niñez.
Y
si hay algo quebrado en esta tarde,
y
que baja y que cruje,
son
dos viejos caminos blancos, curvos.
Por
ellos va mi corazón a pie.
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