Onde
estão os teus poetas, América?
Onde
estão eles que não vêem o alarido
construtor dos teus
portos,
onde estão eles que não vêem essas bocas
marítimas
que te alimentam de
homens,
que atulham de combustível as
fornalhas
dos teus caldeamentos,
onde estão eles que não vêem
todas essas
proas entusiasmadas,
e esses guindastes e essas
gruas que se
cruzam,
e essas bandeiras que trazem a maresia
dos
fiordes e dos golfos,
e essas quilhas e esses cascos veteranos
que
romperam ciclones e pampeiros,
e esses mastros que se
desarticulam,
e essas cabeças nórdicas e mediterrânicas,
que
os teus mormaços vão fundir em
bronze,
e esses olhos boreais
encharcados de luz
e de verdura,
e esses cabelos muito finos
que procriarão
cabelos muito crespos,
e todos esses pés que
fecundarão os teus
desertos!
Teus
poetas não são dessa raça de servos
que dançam no compasso de
gregos
e latinos,
teus poetas devem ter as mãos sujas
de
terra, de seiva e limo,
as mãos da criação!
E
inocência para adivinhar os teus
prodígios.
e agilidade para
correr por todo o teu
corpo de ferro, de carvão, de cobre,
de
ouro, de trigais, milharais e cafezais!
Teu
poeta será ágil e inocente, América!
a alegria será a sua
sabedoria,
a liberdade será a sua sabedoria,
e sua poesia será
o vagido da tua própria
substância, América, da tua
própria
substância lírica e numerosa.
Do
teu tumulto ele arrancará uma energia
submissa,
e no seu molde
múltiplo todas as formas
caberão,
e tudo será poesia na
força da sua
inocência.
América,
teus poetas não são dessa raça
de servos que dançam no
compasso de
gregos e latinos!
Ronald de Carvalho
(foto: paisagem perto de Cordoba, Argentina; autor: Gabriel Robledo, Buenos Aires, Argentina) Nota: poeta brasileiro falecido em 1935. Foi, em conjunto com Luís de Montalvor, director do primeiro número da revista literária Orpheu, publicada em Lisboa em Março de 1915. Esta revista, polémica à época (publicaram-se apenas dois números), introduziu em Portugal o movimento modernista, num projecto a que estavam associados futuros nomes importantes das letras e das artes (Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada-Negreiros, Amadeu de Souza Cardozo, etc). Para biografia, clicar AQUI.
2 comentários:
Uau!
melhor impossível. Parabéns, Luís.
ooops...não...parabéns só amanhã ;-)
csd
Olá Cláudia!
Gosto muito deste poema, e do que dele preconiza para a poesia "americana", dito de outra forma, para a poesia do amanhã.
Bjs
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