26 setembro 2011

ENTRE BUENOS AIRES E MENDOZA

 
Onde estão os teus poetas, América?
 
Onde estão eles que não vêem o alarido 
construtor dos teus portos, 
onde estão eles que não vêem essas bocas 
marítimas que te alimentam de 
homens
que atulham de combustível as fornalhas 
dos teus caldeamentos
onde estão eles que não vêem todas essas 
proas entusiasmadas, 
e esses guindastes e essas gruas que se 
cruzam
e essas bandeiras que trazem a maresia 
dos fiordes e dos golfos
e essas quilhas e esses cascos veteranos 
que romperam ciclones e pampeiros
e esses mastros que se desarticulam, 
e essas cabeças nórdicas e mediterrânicas
que os teus mormaços vão fundir em 
bronze,
e esses olhos boreais encharcados de luz
e de verdura,
e esses cabelos muito finos que procriarão 
cabelos muito crespos, 
e todos esses pés que fecundarão os teus 
desertos!
 
Teus poetas não são dessa raça de servos
que dançam no compasso de gregos 
e latinos,
teus poetas devem ter as mãos sujas de
terra, de seiva e limo,
as mãos da criação!
E inocência para adivinhar os teus
prodígios.
e agilidade para correr por todo o teu
corpo de ferro, de carvão, de cobre, de 
ouro, de trigais, milharais e cafezais! 
 
Teu poeta será ágil e inocente, América!
a alegria será a sua sabedoria,
a liberdade será a sua sabedoria,
e sua poesia será o vagido da tua própria
substância, América, da tua própria 
substância lírica e numerosa. 
 
Do teu tumulto ele arrancará uma energia
submissa,
e no seu molde múltiplo todas as formas
caberão,
e tudo será poesia na força da sua
inocência.
 
América, teus poetas não são dessa raça
de servos que dançam no compasso de 
gregos e latinos!



Ronald de Carvalho
(foto: paisagem perto de Cordoba, Argentina; autor: Gabriel Robledo, Buenos Aires, Argentina) 

Nota: poeta brasileiro falecido em 1935. Foi, em conjunto com Luís de Montalvor, director do primeiro número da revista literária Orpheu, publicada em Lisboa em Março de 1915. Esta revista, polémica à época (publicaram-se apenas dois números), introduziu em Portugal o movimento modernista, num projecto a que estavam associados futuros nomes importantes das letras e das artes (Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Almada-Negreiros, Amadeu de Souza Cardozo, etc). Para biografia, clicar AQUI.

2 comentários:

Claudia Sousa Dias disse...

Uau!


melhor impossível. Parabéns, Luís.


ooops...não...parabéns só amanhã ;-)


csd

Luis Beirão disse...

Olá Cláudia!

Gosto muito deste poema, e do que dele preconiza para a poesia "americana", dito de outra forma, para a poesia do amanhã.

Bjs


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