14 janeiro 2008

PÁSSARO NEGRO


Ei-lo ainda e sempre
..........uma outra vez
grande pássaro negro
.........................abate-se
surge a pairar com a sua sombra
................................imensa
......................que tudo impregna
...........que tudo envolve
......................que tudo cobre
.............tudo acolhe
sob o seu manto protector
feito de noite e de escuridão
uma angústia indefinível toma posse de mim
uma consciência aguda
....................violenta
..............dolorosa
da profunda solidão
que me rodeia
na qual estou imerso
.................embebido
............submerso
.................afogado
por mais voltas e voltas que dê
por mais gestos e movimentos que esboce
não consigo sacudir esta sombra descomunal
.................................este negrume
que se infiltra por todos os interstícios
da minha alma
as noites prolongam-se sobre as noites
todas elas imensas
.............infindáveis
a cama nunca me espera
nunca nada me espera
sou sempre eu a esperar
..a esperar por nãoseioquê
................pelo que não existe
pelo que não há
................pelo que não vem
por vezes a minha cama tem quatro rodas
move-se vertiginosamente pelo asfalto
outras vezes permanece imóvel
debaixo de um plátano
na lateral de uma qualquer rua deserta
ah... vontade imensa de sacudir esta pele
de me metamorfosear
num outro (qualquer) eu
....não importa qual
.....desde que outro
que angústia
se apossa de mim
.......se entranha
..........se insinua
consciência súbita
da quantidade de mar
que separa a minha árida
................pequena ilha
de todos esses imensos continentes
na direcção dos quais estendo avidamente
as mãos os braços
..........os lábios
..........todo o meu ser
sem que contudo almeje sequer
vislumbrar
.....alcançar
um (outro) árido pedaço
de uma qualquer (outra) realidade
com a qual me possa ao menos
sentir levemente solidário
........dou-me desesperadamente
dou-me furiosamente
........dou-me violentamente
a todos os dias estúpidos
...que se sucedem
.........que giram rodopiam
perante a minha alma assombrada
com a velocidade
........o ritmo frenético
..................estonteante desenfreado
com que se move o resto do mundo
...dói-me a realidade
...doem-me as ruas desertas
os letreiros de néon da cidade
.......dói-me a alma
......doo-me eu mesmo
ergo os olhos para o alto
.........se o meu destino é a cruz
.........porquê a angústia da via sacra?
dou-me incessantemente
........até ao limite até ao tutano
........até nada mais me restar
senão esta sombra
.....esta negritude por onde comecei
este devaneio
.......pássaro negro
pássaro triste
............pássaro louco
pássaro tonto
..............pássaro desvairado
que sucessivamente
persiste insiste
em voar teimosamente
................como uma seta
em estatelar-se
violenta e aparatosamente
contra estes muros

............imponentes
............altivos
............imóveis
............inexpugnáveis
..........de frio
................sólido
.........impiedoso
e implacável
...............granito...

Luis Beirão
Nota: ainda não sei bem o que isto é, nem se é a sua forma definitiva. Em todo o caso, apeteceu-me muito deixá-lo aqui.

12 comentários:

Anónimo disse...

Os espaços vazios poderão ser o que ainda falte na VIDA...

Luis Beirão disse...

Na verdade,R

Os espaços vazios só existem porque foi a forma que encontrei de puxar as frases para a frente e para trás sem fazer muito esforço, pois não as quero alinhadas.
Mas há outros espaços, além dos dos pontos, revelados nas palavras. E todos nós os temos, a esses espaços vazios.

Bjs

Ana Ferreira disse...

As palavras....
Tantas vezes revelam tanto, como outras revelam tão pouco! Somos esses espaços, que muitas vezes nos revelam bem mais que as palavras!
Continua
Bjs Ana

Luis Beirão disse...

Ana,

As palavras, mesmo que o não pareçam, nunca deixam de revelar (e também revelar-se).

Bjs

ContorNUS disse...

Lindíssimo...

voltarei a âncorar aqui...

Luis Beirão disse...

Contornus,

Ancora sempre que quiseres, será um prazer ter a tua visita regular.

Dalaila disse...

haverá sempre amizades que esperam, pelos pássaro que é negro, é branco, é verde, é colorido, e nos espaços vazios vão preenchendo palavras, como só tu sabes.

beijos

Luis Beirão disse...

Dal,

Aquela tua frase de ontem, lê isto com olhos de ler e dir-me-ás se manténs a tua opinião...

Bjs

Claudia Sousa Dias disse...

Parabéns, Luis...!

Este é o melhor que escreveste até agora.

Continua neste registo.
Assenta-te muito bem como espelho da lama.

Força!

CSD

Luis Beirão disse...

Cláudia,

O teclado pregou-te (a ti e a mim) uma partida, creio. Em vez de alma, escreveste lama. No entanto, devo dizer-te que realmente esta segunda variante também está certa :), pois este é de facto também o espelho da lama, de uma certa lama que persiste em inundar-nos a alma de quando em vez...parece-me bem: a alma por vezes feita em lama - ou a lama como sendo também (não só as coisas boas) matéria da alma.

Claudia Sousa Dias disse...

Lama é água e terra. A matéria de que somos feitos nos humanos enquanto corpo.

A vida só é possível com a centelha de fogo de Prometeu quenos anima, que nos dá energia para continuarmos a respirar.

E tu tem-la. Hás-de lavar a lama da alma e prosseguir o teu voo de pássaro negro, sim, mas de asas de fogo...

Um beijo


CSD

Luis Beirão disse...

Obrigado Cláudia,

Como sempre, na mouche.


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