...Que culpa terão as ondas
Dos movimentos que façam?
São os ventos que as impelem
E sulcos profundos traçam.
Aos ventos quem lhes ordena
Que rasguem rugas no mar?
São as nuvens inquietas
Que os não deixam sossegar.
E as nuvens, almas de névoa,
Porque não param, coitadas?
É que as asas das gaivotas
As trazem desafiadas.
Mas as asas das gaivotas
O cansaço há-de detê-las!
Juraram buscar descanso
Nas pupilas das estrelas.
E como as estrelas estão altas
E não tombam nem se alcançam,
As asas das pobrezinhas
Baldamente se cansam
Baldamente se cansam,
Baldamente palpitam!
As nuvens, por fatalismo,
Logo com elas se agitam;
Os impulsos que elas dão
Arrastam as ventanias;
As vagas arfam nos mares
Em macabras fantasias
Assim as almas inquietas
Prisioneiras de ansiedades,
Mal que se erguem da terra,
Naufragam nas tempestades!
Reinaldo Ferreira
.
Nota: Pouco conhecida pela maioria das pessoas, a sua obra foi publicada a título póstumo (faleceu com 37 anos). No entanto, a ele devemos letras de canções sobejamente conhecidas, como "Uma casa portuguesa" e "Menina dos olhos tristes". A título de curiosidade, um dos livros que tinha planeados chamava-se "Um voo cego a nada". Não resisto a citar a sua "Receita para fazer um herói":
"Tome-se um homem,
Feito de nada, como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.
.
Serve-se morto."
2 comentários:
... Nenhuma :)
LINDO!!!!!
Ora bem... unidade da Amadora... só falta saber o nome... Efectivamente, nenhuma. Agradeço o comentário.
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