Momento sublime,
Eis um final de dia no princípio do Verão.
Tudo refresca, agora,
No momento da meia-luz.
A erva ainda está verde,
Mas o pó já se levanta pelos caminhos
A anunciar a secura de um Agosto.
Aqui ao lado, corre o cano de uma fonte,
Com uma bica de água,
Canção de embalar que traz ecos
De outras recordações de Verão...
As árvores recortam-se já, como sombras,
Contra o céu sereno,
Onde voam, aqui e além,
Farrapos de nuvens esquecidos.
Farrapos de nuvens esquecidos.
Ao meu nariz, apresentam-se cheiros suaves,
Frescos e penetrantes:
Da terra dos caminhos,
Das acácias ondulando na brisa,
Da água e da frescura da relva.
Nao tenho sede, mas apetece-me beber desta água,
Como se com isso bebesse também o momento
E a paisagem.
Apetece-me parar o tempo,
Ficar aqui, sempre no meio,
Sempre na meia-luz,
Envolto desta frescura perfumada e inebriante.
Queria estirar-me ao comprido, no chão,
Arrancar esta erva fresca aos punhados e devorá-la,
Rebolar-me nela como um rafeiro
E por fim adormecer, de barriga para o ar..!
Oh, natureza, natureza mágica, cristalina!
Quanto te devo, diz-me?
Quanto te deve a minha alma?
Quantas vezes, de pequeno,
Não brinquei com cachorros e miúdos como eu, na relva,
Descrevendo piruetas e cambalhotas?
Quantas vezes não trepei, e me pendurei, e me baloucei,
Nos galhos de pinheiro ou oliveira?
Quantas vezes colhi a flor da giesta e coloquei num boné,
Para dar aos rebanhos de cabras
Que povoam ainda os meus sonhos de infância?
Quantas vezes fui às capelinhas e rosmaninhos,
Por alturas do S. João?
E corri e brinquei,
E cresci e sonhei,
No meio das matas.
Quantas vezes afinal,
Me banhei em águas puras e frescas,
Sentindo na pele e nos cabelos o ondular da brisa,
Percorrendo as copas dos amieiros e dos salgueiros?
Oh, meu deus, e há quanto tempo
Nao ouço cantar o cuco,
Nem o som das cigarras em noites de Verão,
Com a aldeia às soleiras das portas?
Quanto te devo, afinal, quanto és em mim?
Quanto eu sou teu?
Tanto...
E no entanto,
Nunca condignamente te cantei,
Nunca aos teus pés me ajoelhei e chorei, Deusa-Mãe !!
Porque eu devo-me a ti,
Pois que me fizeste a mim
E, qual marca eterna e inapagável,
Em mim permaneces e em mim te revelas...!
Nunca quis cortar o cordão umbilical.
Mesmo de pulmões intoxicados,
E de alma turva e conturbada,
Sinto-te ao chegar.
E calço uns ténis velhos e sujos pelo tempo,
Percorrendo as matas e os vales,
Como se fosse ainda criança e velasses por mim...
As silvas arranham-me na tentativa de me afagarem,
Os tojos abraçam-me com saudade,
Mas cicatrizes e feridas em pernas e braços,
Não chegam para apagar o sorriso da minha cara iluminada,
O sorriso de quem regressa, sempre,
Para ti,
O sorriso de quem nunca partiu de facto,
Uma vez que por todo o lado me acompanhaste.
Obrigado, mãe, obrigado !
Desculpas-me as travessuras, que eu sei...
Não importa o quanto me afaste,
Pois nunca me afastarei o suficiente
Para deixar de ser,
SEMPRE
IRREVOGAVELMENTE
...............TEU !
Luis Beirão
4 comentários:
não sabia que tinhas por cá isto, meu Luís beirão... Um dia destes respondo-te com poesia - R
É muito bonita esta tua mãe, a forma de o dizeres, de o sentires.
L.D.
:)
Este teu poema é uma celebração divina e mágica!
Uma autêtica comunhão com a natureza!
Talvez seja o antídoto que precisas para iluminar esse olhar sombrio!
Abraço de Luz
F
F,
Estou perfeitamente de acordo. é preciso ir beber às raízes por vezes, para abraçar o futuro.
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