14 março 2007

POEMA DO HOMEM SÓ


Sós,
irremediavelmente sós,
como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nos
e ninguém nos conhece.

Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem

Nesta envolvente solidão compacta,
quer se grite ou não se grite,
nenhum DAR-SE de outro se refracta,
nenhum ser nós se transmite.

Quem sente o meu sentimento
sou EU só, e mais ninguém.
Quem sofre o meu sofrimento
sou EU só, e mais ninguém.
Quem estremece este meu estremecimento
sou EU só, e mais ninguém.

DÃO-SE os lábios, DÃO-SE os braços
DÃO-SE os olhos, DÃO-SE os dedos,
bocetas de mil segredos
DÃO-SE em pasmados compassos;
DÃO-SE as noites, e DÃO-SE os dias,
DÃO-SE aflitivas esmolas,
abrem-se e DÃO-SE as corolas
breves das carnes macias;
DÃO-SE os nervos, DÁ-SE a vida,
DÁ-SE o sangue gota a gota,
como uma braçada rota
DÁ-SE TUDO e nada fica.

Mas este íntimo secreto
que no silêncio concreto,
este OFERECER-SE de dentro
num esgotamento completo,
este ser-se sem disfarce,
virgem de mal e de bem,
este DAR-SE, este ENTREGAR-SE,
DESCOBRIR-SE, e DESFLORAR-SE,
é NOSSO de mais ninguém !

António Gedeão

1 comentário:

Anónimo disse...

Ao contrário daquele que adoramos (meu companheiro de nascimento!) este Gedeão tem quase sempre uma luz ao fundo do túnel para nos oferecer.
L.D.


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