à minha frente e à minha vista
os castelos desmoronam-se
diariamente
e eu fico aqui impotente
a ver tudo ruir
não fosse este maldito instinto
para permanecer
e também decerto acabaria por cair
definitivamente
assim
mil e uma vezes
beijo o pó deste caminho
e mil e uma vezes
me levanto combalido
com o peito cansado e oprimido
para continuar a arrastar-me pelas veredas
sem rumo e sem sentido definido
como barco vogando
ao sabor das tempestades
desconheço já praticamente tudo
daquilo que sou
todas as minhas saudades
e vontades
e todos os dias me dou
me sacrifico a um deus desconhecido
e a outras mais estranhas divindades
neste mar imenso
difícil é achar um porto de abrigo
mas afinal nada tenho de que me queixar
pois sou eu quem todos os dias
me talho e lanço ao mar
numa ânsia de novos orientes
e agora em tudo o que digo
inclusive nestas frases reluzentes
raramente encontro motivos ou razões
excepto esta angústia
que me move e me atravessa
esta estagnação
disfarçada de urgência ou pressa
com que tomo cafés
e acendo cigarros todos os dias
o tempo...
o tempo existe para se queimar
para se ver passar
lentamente
e sem grandes espasmos na alma
mas na verdade o meu tempo
não passa
arrasta-se penosamente...
não suporto mais este meu tempo
esta vida estas frases
este lamento
a urgência é grande pela libertação
e a libertação
impõe-se pelas várias ausências
e são estas e outras violências
que me movem
“Cárcere do ser cárcere do pensar não haverá libertação de ti?
ah não nenhuma nem a morte!”
teria porventura razão o Campos
mas entretanto adormeço
permaneço
anestesiado
enterro estes meus prantos
num canto mais recôndito num sótão
numas águas furtadas
e a luz das diferentes manhãs
e o orvalho das diversas madrugadas
continuam a suceder-se impiedosamente
a atravessar este meu corpo inerte
estes meus membros marmóreos
e estes meus olhos vitral...
e é a elas que eternamente me dou
numa dádiva
incessante e imutável
já muito para lá
do próprio ritual...