Um dia destes abrir-se-ão as portas
e entraremos todos na cidade
Um dia destes teremos um domingo
e haverá água límpida e potável
Um dia destes contaremos contos
de terrores antigos de perseguições
e poremos os verbos no passado
felizes de escaparmos ao massacre
Um dia destes o silêncio quebrará
para sair uma canção de amor
Um dia destes a noite abrir-se-á
e tu serás o rosto descoberto
Um dia destes poremos no zoológico
os últimos hipopótamos da cidade
e cortaremos o resto dos tentáculos
que nos mantêm à mercê do grande polvo
Um dia destes as palavras serão públicas
e não escreverão penas de morte
não servirão para mentir atraiçoar
para ferir os amigos ou matá-los
Um dia destes construiremos um museu
com os retratos do medo e da tortura
do diabo do crime da miséria
na galeria dos antepassados
Um dia destes teremos tempo de juntar
os bocados de nós próprios e colá-los
Um dia destes não seremos obrigados
a sempre recusar de mão fechada
Um dia destes tu serás tangível
e os meus dedos poderão desapertar-te
Um dia destes os quatro cavaleiros
estarão na cadeia sem cavalos
Um dia destes não será com juras
clandestinas que a esperança se fará
Um dia destes a fome não poderá
comprar de novo lâminas de barba
Um dia destes abrir-se-ão as portas
e dançaremos nas ruas da cidade
Um dia destes beberemos todos
a cerveja da alegria e da amizade
Um dia destes secarão as lágrimas
e teremos cartas vindas da Europa
Um dia destes a vida será fértil
e o dia seguinte estará sempre aberto
Meus amigos meu amor
Um dia destes...
Egito Gonçalves
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Fotografia: Aurora Boreal, no Alasca.
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NOTA: Não resisti a colocar este fantástico poema de esperança, num começo de novo ano em que, em todos os quadrantes, se fala apenas de perspectivas negativas. Haverá um dia destes. É preciso acreditar.
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