10 dezembro 2016

PARA VÓS O MEU CANTO...


Para vós o meu canto, companheiros da vida!
Vós, que tendes os olhos profundos e abertos,
vós, para quem não existe batalha perdida,
nem desmedida amargura,
nem aridez nos desertos;
vós, que modificais um leito dum rio;
- nos dias difíceis sem literatura,
penso em vós: e confio;
penso em mim e confio;
- para vós os meus versos, companheiros da vida!
Se canto os búzios, que falam dos clamores,
das pragas imensas lançadas ao mar
e da fome dos pescadores, 
- penso em vós, companheiros,
que trazeis outros búzios para cantar...
Acuso as falas e os gestos inúteis;
aponto as ruas tristes da cidade
a crivo de bocejos as meninas fúteis...
Mas penso em vós e creio em vós, irmãos,
que trazeis ruas com outra claridade
e outro calor no apertar das mãos.
E vou convosco. - Definido e preciso,
erguido ao alto como um grito de guerra,
à espera do Dia do Juízo...
Que o Dia do Juízo
não é no céu... é na Terra!



Sidónio Muralha


Nota: Nasceu em 28 de Julho de 1920, na Madragoa (Lisboa). Em 1941 (21 anos), incentivado pelo matemático Bento de Jesus Caraça publicou o seu primeiro livro de poesia: “Beco”. Integrou o movimento neo-realista com nomes como Joaquim Namorado, Fernando Namora ou Mário Dionísio. Fez parte do Novo Cancioneiro, que reunia autores contestatários do Estado Novo. Em 1943 exila-se no Congo belga, onde chegou a ser director geral da Unilever (estudara Ciências Económicas e Financeiras, mais tarde Administração na Universidade de Louvain, na Bélgica). Em 1944 casou por procuração (ela estava em Portugal) com Maria Fernanda d’Almeida, de quem teve quatro filhos. No Natal de 1949 (29 anos) volta a Portugal, publicando a 2ª edição de Beco - Passagem de Nível e no ano seguinte “Companheira dos Homens”. Ambas as edições de autor contaram com ilustrações de Júlio Pomar na capa. Em 1950, com desenhos do mesmo e músicas de Francine Benoit publica o livro de poemas para crianças “Bichos, Bichinhos e Bicharocos”. Em 1960 (40 anos) a família regressa à Europa e vive 2 anos em Bruxelas. Continua a trabalhar para a Unilever, e estagia e trabalha em Bafatá (Guiné Bissau), Ostende (Bélgica), Dakar (Senegal), Londres e Paris. No início dos anos 60 chega ao Brasil, onde ficaria até ao fim da vida. Estabelece-se com a família em São Paulo, onde é um dos fundadores da Editora Giroflé (publicações para crianças). O projecto não vinga, mas vai publicando livros para crianças (“A Televisão da Bicharada”, 1962, I Prêmio da Bienal do Livro de São Paulo) e para adultos. Nos anos 70 regressa a Portugal para publicitar a sua antologia de poesia “Poemas” (1971), e depois para celebrar o Portugal libertado pela revolução dos cravos. A esposa Maria Fernanda faleceu em 1978. Em 1979 (59 anos), recebeu o prémio de literatura infantil, o “Prémio Portugal 79 – Livro para Crianças”. Nesse ano, casa com a médica obstetra Helen Butler, com quem passou a viver em Curitiba, onde faleceu a 8 de Dezembro de 1982 (62 anos). Foi um dos precursores do neo-realismo e grande divulgador da literatura infantil. Em vida, publicou 21 livros para adultos e 15 livros para crianças, por editoras portuguesas e brasileiras. É considerado um dos melhores poetas para crianças em língua portuguesa.

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