27 maio 2008

NÃO DESISTI DE HABITAR A ARCA AZUL...


Não desisti de habitar a arca azul
do antiquíssimo sossego do universo.
A minha ascendência é o sol e uma montanha verde
e a lisa ondulação do mar unânime.
Há novecentas mil nebulosas espirais
mas só o teu corpo é um arbusto que sangra
e tem lábios eléctricos e perfuma as paredes.

Aos confins tranquilos entre ilhas mar e montes
vou buscar o veludo e o ouro da nostalgia.
Deponho a minha cabeça frágil sobre as mãos
de uma mulher de onde a chuva jorra pelos poros.
Ó nascente clara e mais ardente do que o sangue,
sorvo o cálice do teu sexo de orquídea incandescente!
A minha vida é uma lenta pulsação
sob o grande vinho da sombra, sob o sono do sol.
Há bois lentos e profundos no meu corpo
de um outono compacto e negro como um século.
Com simultâneas estrelas nas têmporas e nas mãos
a deusa da noite, sonâmbula, desliza.
Ao rumor da folhagem e da areia
escrevo o teu odor de sangue, a tua livre arquitectura.
Prisioneiro de longínquas raízes
ergo sobre a minha ferida uma torre vertical.
Vislumbro uma luz incompreensível
sobre os campos áridos das semanas.
Elevo o canto profundo do meu corpo
sob o arco das tuas pernas deslumbrantes.
Escrevo como se escrevesse com os meus pulmões
ou como se tocasse os teus joelhos planetários
ou adormecesse languidamente no teu sexo.



António Ramos Rosa

21 maio 2008

EM FORMA DE CORAÇÃO

Sessão Maio Quartas MalDitas
"Em Forma de Coração"

Hoje, dia 21 de Maio, 22 h
Clube Literário do Porto
(Rua Nova da Alfândega, nº22, Porto)

Desta vez, propõe-se uma colectânea de poemas sobre/relacionados com/ à volta da temática do coração. Para completar, momentos musicais com fado (nada mais apropriado) e um convidado (cardiologista) que nos vai falar sobre "Um coração em forma".

Convidado: Prof. Dr. Cassiano Abreu Lima (Hospital S. João)
Fado: Lígia (voz); Pinto de Oliveira (viola); José Veiga (guitarra)
Coordenação: Anthero Monteiro
Poemas ditos por: Anthero Monteiro; Joana Padrão; Júlia Correia; Luís Carvalho; Mário Vale Lima; Marta Tormenta

Entrada livre. Para informações, praticalidades (morada, onde fica, telefone, etc), CLICAR AQUI



14 maio 2008

O VENTO NA ILHA


O vento é um cavalo:
ouve como ele corre
pelo mar, pelo céu.

Quer levar-me: escuta
como percorre o mundo
para levar-me para longe.

Esconde-me em teus braços
por esta noite apenas,
enquanto a chuva abre
contra o mar e contra a terra
a sua boca inumerável.

Escuta como o vento
me chama galopando
para levar-me para longe.

Com tua fronte na minha
e na minha a tua boca,
atados os nossos corpos
ao amor que nos abrasa,
deixa que o vento passe
sem que possa levar-me.

Deixa que o vento corra
coroado de espuma,
que me chame e procure
galopando na sombra,
enquanto eu, submerso
sob os teus grandes olhos
por esta noite apenas
descansarei, meu amor.


Pablo Neruda
Fotografia: April Bell, Bucareste (Roménia)

08 maio 2008

FMI NO PÚCAROS BAR

FMI (de José Mário Branco)
Voz Luís Carvalho; Guitarra e voz Carlos Andrade
Data: Sexta (amanhã), dia 09 de Maio, pelas 23.30 h.
Local: Púcaros Bar (Rua de Miragaia, 55, Porto - frente à Alfândega, debaixo das arcadas)
Integrada no mês cultural do Púcaros Bar, a convite do amigo Carlos Pinto e na companhia de outro amigo (Carlos Andrade), vou ter a honra de fazer uma encenação do famoso texto de José Mário Branco.
Entrada gratuita, apenas o que se consumir. Convido-vos desde já a aparecerem por lá!

  • Para saber onde fica o Púcaros, outras actividades este mês, contactos, telefones e outras informações, clicar Aqui
  • Para ouvir o FMI dito pelo próprio José Mário Branco, clicar Aqui

05 maio 2008

OLHARES


Olhares que passam,
Que giram,
Que se encontram e desencontram...
Por vezes indiferentes,
Outras vezes exploradores,
Ou então meros ausentes...
Estes aqui misteriosos!
Estes outros sedutores,
Aqueles ali famintos,
Olhares curiosos
Indagadores...
Olhares. Olhos que se cruzam,
Num vaivém constante:
Estes vazios; aqueles de mil cores,
Olhares inquietos
De um desejo errante,
Olhares ávidos,
Plenos de luxúria,
Como os de um amante!
Um olhar - um beijo.
Outro olhar - sorriso.
E um que passa e se apressa
A formular juízo...
Olhos expressivos,
Os olhos de quem caça...
Lenta paciência
Neste aqui, vazio,
Que fixa o distante
Em triste dormência...
Ah, um penetrante,
Que prescruta a alma,
Buscando segredos
Que quer conhecer!
Este outro com medos
E perpétua calma,
A desfalecer...
E ei-los, gulosos,
Saboreiam tudo,
Buscam alimento,
Água que beber.
E este só conforto,
Tão reconfortante
Que fornece alento
A quem sonha, distante,
Negros cemitérios...
Oh, e este aqui,
Este aqui que passa
A esconder, velado,
Profundos mistérios...!

Luis Beirão

Nota: Poema bem antigo já (de 1996 ou anterior) e que recuperei agora pois vinha a propósito - na sequência dos "olhares". Isto, apesar de já bem distante daquele que é actualmente o meu "tom geral de escrita" (chamemos-lhe assim). Foi publicado no livro que se chamava precisamente "Um outro olhar" (2003) da Corpos Editora, deliberadamente não no seu interior, mas sim num separador de páginas oferecido na compra do livro. Aliás (e isto talvez não tenha sido perceptível à altura), todo o livro estava organizado em secções de diferentes "olhares" .

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