20 dezembro 2007

QUANDO UM HOMEM QUISER


Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e combóios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher

José Carlos Ary dos Santos


Nota: este poema está musicado por Fernando Tordo, numa canção interpretada por Paulo de Carvalho. Foto acima: tradicional madeiro de Natal - fogueira de Natal feita no largo das povoações de algumas regiões do interior de Portugal, para onde converge toda a gente na noite de dia 24.

16 dezembro 2007

ESPERA


As aulas acabaram...
E eu dirijo-me para casa, lentamente,
Pela rua que sei que percorres
Sempre que recolhes
Ao teu casulo de ninfa.
O sinal mudou, os carros passaram,
E eu fico aqui, dormente,
Com os olhos inundados
Pelo sol matinal...
Depois, sem pressa, calmamente,
Quase de pés arrastados,
Caminho, à espera do teu sinal.
Vou olhando para trás, chateado,
Por ver assim contrariado
O encontro casual
Que eu havia planeado
Toda a noite anterior.
Viro o relógio, de coração apertado,
E olho o mostrador,
Cheio de grande ansiedade
E um misto de terror,
Mas tu já não vens, já é tarde,
Para ver passar o amor...

Luis Beirão
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Nota: lamechice pegada, dirão... acontece que tenho um grande carinho por este poema singelo, escrito com 17 verdes aninhos... tem a ver com um tipo de sentimento que nos faz sentir quentinhos por dentro, que muitos de nós já esqueceram. E que urge relembrar...
Nota 2: a versão audio que podem ouvir resulta de muitas peripécias e também já data de há pelo menos 4 anos atrás.

14 dezembro 2007

EVENTOS: GEDEÃO NA VÍCIO DAS LETRAS

Hoje, pelas 21.30, Livraria Vício das Letras (Santa Maria da Feira)
Sessão Poética dedicada a poemas de António Gedeão

Local:
Rua Dr. José Correia de Sá, nº59 , Feira
para saber mais sobre o local, como chegar e onde fica clicar aqui

Participação de vários intervenientes (incluindo eu próprio), e convívio salutar durante e no final. Quem puder, e lhe ficar a jeito, apareça e será bem vindo!


13 dezembro 2007

EXCESSO


porquê falar
quando podes cantar ?
porquê lamentares-te
quando podes chorar
agonizar desesperar?
porquê murmurar,
quando podes gritar
a plenos pulmões ?
entrega-te
deixa fluir todo o teu amor
toda a tua dor e paixão...
porquê viver se podes amar a vida
intensamente?
porquê comer lentamente
se podes devorar sentir
e cheirar degustar
todos os minutos e segundos ?
porquê escrever com tinta
se o podes fazer com sangue
com o teu sangue ?
sente o fluir do sangue
nas tuas veias
o fogo que queima as tuas ideias
e pensamentos
a fúria de todos os ventos
dentro de ti
sente o teu corpo vibrar
o teu espírito exultar
como se sob o prazer desmedido
de mil orgasmos consecutivos
liberta o fogo dentro de ti
o demónio que dança
na tua alma
aquece os outros
queima-os
fá-los arder no teu fogo
até que as suas faces
se tornem rubras
e inebriados
bêbados
de alegria e dor
venham dançar
...................rir
..........cantar
...............chorar
.......sofrer
amar contigo
......junto da fogueira..!


Luis Beirão


Nota: já antigo, mas pronto, com os retoques apropriados ainda se deixa ler.

06 dezembro 2007

UM SERÃO NA ALDEIA


É noite cerrada, e no pequeno caminho de terra batida não se vê absolutamente nada. Ainda assim, o grupo avança. As sombras das oliveiras ladeiam o caminho, com um dos lados constituído por uma trincheira escavada na rocha xistosa. A erva das bermas está molhada e a terra, meio barrenta, escorre água vinda de um cano ali perto. A iluminação é fraca, vem apenas de um dos poucos postes de luz branca existentes na aldeia, enfiado entre duas ramadas de oliveira, por debaixo das quais se sentem os pés a pisar as azeitonas já maduras que entretanto foram caindo. Ao fundo, ouve-se o barulho das águas de um ribeiro, que correm abundantemente sob um velho pontão.

Está tanto frio que imensas baforadas de um fumo espesso se tornam visíveis no ar nocturno, sempre que alguém se sente compelido a falar. Trata-se de um frio real, palpável, daqueles que se nos entranham nos ossos, até ao fundo, e embora se sinta no ar a humidade de chuva recente, o céu nocturno está estrelado. De vez em quando, escuta-se um cão a ladrar na noite.
Serão talvez onze e meia, mas parece mais tarde, tudo na aldeia se encontra no mais completo silêncio, e as poucas pessoas acordadas estarão talvez à lareira. Sente-se no ar um cheiro agradável e familiar a chaminé e a lenha queimada.
A tasca a que chamamos café fechou cedo, e nada mais há a fazer senão recolher à adega do Zé. O vinho caseiro e elaborado sem grandes critérios de enologia senão aqueles que respeitam o gosto do seu proprietário, mesmo ainda novo, já se bebe, e mais ainda com umas azeitonas em água e sal a acompanhar. Lá dentro (é a esperança de todos) sempre estará um pouco mais quente.

O Natal aproxima-se. Sente-se na atmosfera. Aqui sente-se mesmo, e tem a ver com clima e temperatura, a vegetação, as azeitonas que caem das oliveiras, os rostos das pessoas transidas de frio na noite, a quietude, o contexto geral... mesmo que não existam mais luzes, e mais montras e feriados, e muita gente a fazer compras, e mais programas na televisão. Sente-se e pronto, paira no ar e contagia e impregna todas as coisas.
Nunca vimos muita televisão na aldeia. Apetece mais conversar ao redor do lume, jogar umas cartas no café, ou então recolher a uma adega, ou mesmo ir para a cama mais cedo. Mas as noites no Inverno são forçosamente longas, e apetece sempre companhia, proximidade (como os animais num estábulo), para com isso aquecer ambos: corpo e alma.

Com um barulho de ferrolhos e trancas, o Zé abre a adega. Entramos todos e fechamos a porta atrás. A adega, se assim se lhe podia chamar, estava isolada, afastada das casas de habitação, e ladeada por um curral de cabras e um loureiro, que debruçava a sua ramada sobre o acesso. Não passava de uma velha casa de xisto com um telhado de telhas canudo rústicas e já cheias de musgo, com lajes a tapar alguns buracos aqui e além. Lá dentro, uma divisão baixa, com tecto de madeira já meio a apodrecer, paredes de barro e xisto e chão em terra batida... como quase todas as adegas por aqui.

Nas paredes e no tecto, pequenas ferramentas e artefactos, pendurados por pregos enferrujados ou em toscas prateleiras improvisadas com tábuas de madeira: artefactos usados na extracção da resina noutros tempos, pequenos pregos de madeira outrora usados nas velhas colmeias de cortiça, ferramentas diversas de carpintaria artesanal, serrotes, tesouras de podar, alicates, martelos... Numa das paredes, uma antiga canga de bois e uma albarda de um burro, ajudam a completar o quadro.
À direita, dois pipos já velhos e sem torneira. No lugar onde se deviam localizar as torneiras, um buraco tapado por sebo, que se abre de cada vez para o efeito através de um furo feito por um pau colocado ali perto. À esquerda, mais um conjunto de prateleiras de madeira, uma velha arca usada para salgar os presuntos e no canto, está claro, a pia onde se esmaga o vinho. Tudo isto, numa divisão apenas com uma pequena janela sem vidros, mas tapada por uma tábua de madeira tosca.

No meio, uma velha e pequena mesa de cozinha, toda em madeira e sem toalha, cujo tampo denota sinais de uso intensivo e marcas de navalhadas, em cima da qual repousa um covilhete com azeitonas, os copos sujos virados do avesso por sobre um pano, e um pão, com uma faca enterrada. Sorrio perante esta visão. Lembro-me do Eça: da cara aterrorizada de Jacinto, o hiper-civilizado, quando chegado à sua coutada serrana se deparou para o jantar com uma mesa quiçá semelhante a esta...
Toda a gente se procura sentar, ou encostar. À volta da mesa nada de cadeiras, apenas um banco de madeira desses usados para a matança do bácoro e uns cepos de lenha, à laia de bancos improvisados, num dos quais me sento.

Vai-se falando. O Ti Manel da Rua de Cima, queixa-se do desperdício que foi esta queda repentina de azeitonas das árvores e conclui que antigamente apanhavam-se muito mais tarde e não era nada disto. O João profere algo acerca da mudança dos tempos e das estações, e principia a falar de umas obras que anda a fazer na sua adega. Já o Chico, informa que vai apanhar todas as suas oliveiras durante a próxima semana, e que não espera ter muito azeite, mas que sabe de fonte segura que o seu vizinho, o Francisco, se safou este ano muito bem. O Quim, por sua vez, lamenta não o poder fazer tão cedo, dado ter que ir a Lisboa ver o filho, internado no hospital. Nisto, todos se juntam e indagam, e falam do filho do Quim, e do sobrinho do Ti António do Outeiro a quem morreu a mulher e depois da filha do Manel, que está na França. Saudades. Afinidades, esperanças, partilha... O João é mais novo... tem um filho que ainda mal entrou para o preparatório. Já o Artur, moço da minha idade, escuta a conversa em silêncio. Discorre-se sobre muitas coisas e nenhuma, e o que ninguém diz é que sabe bem estar ali.
E logo o Zé espeta o pau no buraco do pipo e serve vinho a todos, menos ao Ti Manel, que esse sempre foi mais dado a aguardente. E essa, o Zé tem sempre. E da boa, segundo diz.

Aceitei o copo de vidro já meio baço pelo uso (no qual muita gente teria repúdio de beber fosse o que fosse), e levei-o à boca. Na verdade, nunca gostei muito de um certo excesso de bebida que se ingere nestas ocasiões. Ao princípio parecia-me, ao ver beber em demasia estes homens meio brutos, de mãos rudes e calejadas e roupas ainda sujas do trabalho diário, que se tratava de uma coisa de bêbados, de um qualquer ritual bárbaro de brutos, toscos, arruaceiros... Mas depois aprendi, com o tempo, a ver que havia muito de autenticidade e sinceridade nas palavras que são proferidas nestas alturas, e percebi que a bebida nunca é um motivo em si mesmo, mas sim uma forma de exprimir um sentimento, de estar e partilhar um mesmo espaço, uma mesma conversa. E se acontece alguém exagerar, dá para rir e para brincar, ocasionalmente para umas zangas que passados uns dias já caíram no esquecimento pois toda a gente por aqui vive paredes meias e as zangas não podem durar eternamente... Mas estas pinceladas, como diria um pintor, são também parte do quadro, e fazem também o todo e a beleza da coisa.

Com estas considerações, levei o copo à boca e bebi. E como me soube bem! E a conversa prosseguiu, tocou vários assuntos, tristes, alegres ou banais, e continuou-se a beber e a comer azeitonas muito devagar mas persistentemente, para ajudar a pôr cá fora as palavras. Às vezes, entre uma frase e a outra, fazia-se um silêncio geral, mas ninguém parecia importar-se, ninguém parecia oprimido pelo silêncio e ninguém lamentava a falta de tempo, impaciente. O tempo aqui (penso sempre para mim) é diferente, parecemos ter mais tempo em todos os momentos, sentimo-nos mais capazes de deixar a vida fluir.
Passa uma eternidade. Duas horas, muitos copos de vinho e azeitonas depois (e um chouriço caseiro pelo meio), saímos. Ao abrir a porta da adega, um raio de luz vindo do interior invadiu a escuridão e prolongou-se na noite deserta, e um pouco do nosso calor saiu para confrontar o ar gélido da noite.

Despeço-me de todos, menos do Ti Manel, que me acompanha pois mora perto de mim. Caminhamos lado a lado em silêncio, na noite fria, as botas já velhas e rotas do Ti Manel a pisarem com ruído os paralelos da calçada. Avanço meio tonto, mas sem consequências físicas ou mentais de maior: antes pelo contrário, em paz por dentro, parece-me que aspiro melhor e com mais vivacidade o ar nocturno.
Chegados á sua porta, o Ti Manel virou-se e perguntou:
- Mais um, para a abalidiça?
- Não, Ti Manel, bem haja. A sua patroa está a dormir, e tem a adega por baixo da casa, não vale agora a pena acordá-la por coisa nenhuma. São horas de cama...
- Então, olha, não sei que te faça. Até amanhã!
- Até amanhã, até amanhã!

Dirijo-me para casa, mas não entro. Acendo um cigarro e sento-me perto da soleira da porta, com o simpático rafeiro por companhia. O odor forte a pinho molhado invade-me a alma, e aprecio os barulhos nocturnos, contemplo a sombra escura da serra que paira por sobre os telhados da aldeia. Toda a aldeia dorme (e essa ideia reconforta-me!) e eu e fico a ver as estrelas, brilhantes como nunca vi em mais lado nenhum.

Ficarei assim longo tempo, naturalmente, aproveitando este momento de calma e bonomia e pensando, reflectindo, mas sem complicações em excesso nem desnecessárias violências na alma. Naturalmente. Depois, com a mesma calma, irei deitar-me em paz, assim que sinta o sono infiltrar-se e, paulatinamente, invadir-me os sentidos.

Sem pressas.
. . . . .Sem canseiras.
. . . . . . . Naturalmente...
Luis Beirão

04 dezembro 2007

AGENDA PRÓXIMOS EVENTOS

Aqui deixo, muito rapidamente, um apanhado dos próximos eventos nos quais vou participar, e onde é bem vinda a presença de quem o desejar:

Hoje, dia o4 Dezembro, café-concerto da Casa das Artes (Câmara Municipal de Famalicão), cerca das 22 h
Festa do conto e da poesia (sessão mais ou menos intimista, com leituras, música e muita conversa)
Para informações clicar aqui

Amanhã, dia 05 de Dezembro, 21.30 h, Clube Literário do Porto
Apresentação do livro "Murmúrios Ventos" do poeta lisboeta Jorge Casimiro
Apresentação: Anthero Monteiro
Leituras: Luis Carvalho
Música: Carlos Andrade (guitarra) e Francisco (pianista habitual da Praça da Alegria)
Para informações clicar aqui

Segunda, dia 10 de Dezembro, 22 h, Bar Dominó do Casino de Espinho
Sessão mensal da Onda Poética, desta vez sob o tema "Chá, café, pastelaria"

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