27 agosto 2007

POEMA DOS BRAÇOS INÚTEIS



agora só tenho braços
para cruzar perante o irremediável
ou segurar esta ânsia de chão
que me comprime a nuca

souberam guardar tesouros imperecíveis
velar o sorriso por dentro do teu sono
e a nebulosa que te faz sonhar
julgaram preservar dos cardos
a seda do teu suave existir
empreenderam mil lances de aventura
detiveram o emurchecer das tardes
ansiaram a enseada do teu peito

foram escrínios de algum sibarita
lianas trepadeiras e gavinhas
apetecidos tentáculos

deles voaram aves peregrinas
como dos bolsos dos ilusionistas
fizeram brotar fontes em lugares
secretos do teu corpo ou da tua alma
ambos donos do mesmo lago
ambos perdidos na mesma água
esbracejámos na aflição do prazer
para mais depressa soçobrarmos

de que servem agora
os braços e estas mãos e estes dedos
e quem foi dono deles e sonhou
de ti ser dono ao menos uma tarde
uma efémera tarde como quando
julguei possuir o mar e a eternidade
só por ter nos meus braços os teus braços?

O mar que me cuspiu nos olhos míopes
não quer ser possuído mas possuir-me
e a eternidade lenta e paciente
já me exige o meu corpo mutilado
dos braços
dos abraços
e de ti...
.
.
Anthero Monteiro
.
Nota: Há já muito tempo que se justificavaa inclusão, neste blogue, de um poema deste poeta e caro amigo. Um abraço!

17 agosto 2007

RECORDAÇÃO


Eu bem sei
Que rodo em muitas esferas
E não sei
Por onde me levas, poesia.
Quando vou,
E não encontro ninguém,
Tenho medo do que sei:
Um filho de sua mãe
E seu pai,
Ou algum longínquo avó,
A quem um poeta sai.
Será também o Deus da infância
E a árvore sagrada
De frutos proibidos,
Na fragrância
Com que rasguei meus vestidos
E não retirei os ninhos...


Enchi de rosas a terra
E levo nas mãos espinhos...!


Afonso Duarte

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