29 junho 2007

POEMA DO ALEGRE DESESPERO


Compreende-se que lá para o ano três mil e tal
ninguém se lembre de certo Fernão barbudo
que plantava couves em Oliveira do Hospital,
.
ou da minha virtuosa tia-avó Maria das Dores
que tirou um retrato toda vestida de veludo
sentada num canapé junto de um vaso com flores.
.
Compreende-se.
.
E até mesmo que já ninguém se lembre
que houve três impérios no Egipto
(o Alto Império, o Médio Império e o Baixo Império)
com muitos faraós, todos a caminharem de lado
e a fazerem tudo de perfil,
e o Estrabão, o Artaxerpes, e o Xenofonte, e o Heraclito,
e o desfiladeiro das Termópilas, e a mulher do Péricles,
e a retirada dos dez mil, e os reis de barbas encaracoladas
que eram senhores de muitas terras,
que conquistavam o Lácio e perdiam o Épiro,
e conquistavam o Épiro e perdiam o Lácio,
.
e passavam a vida inteira a fazer guerras,
e quando batiam com o pé no chão faziam tremer todo o palácio,
e o resto tudo por aí fora,
e a Guerra dos Cem Anos,
e a Invencível Armada,
e as campanhas de Napoleão,
e a bomba de hidrogénio,
e os poemas de António Gedeão.
.
Compreende-se.
.
Mais império menos império,
mais faraó menos faraó,
será tudo um vastíssimo cemitério,
cacos, cinzas e pó.
.
Compreende-se.
Lá para o ano três mil e tal.
.
E o nosso sofrimento para que serviu afinal?
.
.
António Gedeão

26 junho 2007

OS AMANTES SEM DINHEIRO


Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.

Eugénio de Andrade

12 junho 2007

O GENERAL


O general entrou na cidade
ao som de cornetas e tambores ...
Mas por que não há "vivas" nem flores?
Onde está a multidão
para o aplaudir, em filas na rua?
E este silêncio
Caiu de alguma cidade da Lua?
Só mortos por toda a parte.
Mortos nas árvores e nas telhas,
nas pedras e nas grades,
nos muros e nos canos ...
Mortos a enfeitarem as varandas
de colchas sangrentas
com franjas de mãos ...
Mortos nas goteiras.
Mortos nas nuvens.
Mortos no Sol.
E prédios cobertos de mortos.
E o céu forrado de pele de mortos.
E o universo todo a desabar cadáveres.
Mortos, mortos, mortos, mortos ...
Eh! levantai-vos das sarjetas
e vinde aplaudir o general
que entrou agora mesmo na cidade,
ao som de tambores e de cornetas!
Levantai-vos!
É preciso continuar a fingir vida,
E, para multidão, para dar palmas,
até os mortos servem,
sem o peso das almas.


José Gomes Ferreira

11 junho 2007

NOTAS, ACONTECIMENTOS & EVENTOS XII

Caros amigos, aqui fica apanhado de algumas datas de eventos neste mês de Junho onde vou estar presente, juntamente com os amigos do costume nestas andanças, e com quem mais quiser aparecer e juntar-se a nós:

Hoje, 11 de Junho, pelas 21:30, Bar Dominó do Casino de Espinho - Espinho

Sessão mensal da Onda Poética, dedicada ao tema geral "Florbela e os Outros" - poemas de Florbela Espanca e de outros autores e poetas que de uma maneira ou de outra estejam ligados à temática do suicídio.

Quarta, dia 20 de Junho, pelas 21:30, Clube Literário do Porto - Porto

Sessão mensal das Quartas MalDitas, dedicada desta vez ao poeta Guerra Junqueiro, com presença de um especialista e autor de vários livros sobre a vida e obra deste poeta e leitura de poemas pelos malDitos membros da tertúlia.

Neste mesmo dia, pelas 24:00, estarei uma vez mais na noite de poesia do Púcaros Bar, um pouco mais adiante, nos Arcos de Miragaia.

Nota: tenho estado presente numa sessão de poesia que se quer regular num bar em Ermesinde, Domingos à noite. No próximo não estarei, mas oportunamente darei mais dados sobre este assunto.


05 junho 2007

TROVA DO EMIGRANTE


Parte de noite e não olha
Os campos que vai deixar
Todo por dentro a abanar
Como a terra em Agadir
Folha a folha se desfolha
Seu coração ao partir

Não tem sede de aventura
Nem quis a terra distante
A vida o fez viajante
Se busca terras de França
É que a sorte lhe foi dura
E um homem também se cansa

As rugas que o suor cava
Não são rugas são enganos
São perdas lágrimas e danos
De suor por conta alheia
Não compensa nunca paga
Quanto suor se semeia

Em vida vive-se a morte
Se o trabalho não dá fruto
Morre-se em cada minuto
Se o fruto nunca se alcança
Porque lhe foi dura a sorte
Vai para terras de França

Não julguem que vai contente
Leva nos olhos o verde
Dos campos onde se perde
Gente que tudo lhe deu
Parte mas fica presente
Em tudo o que não colheu

Verde campo verde e triste
Em ti ceifou e hoje foi-se
Em ti ceifou mas a foice
Ceifava somente esperança
Nem sempre um homem resiste
Vai para terras de França

Vai-se um homem vai com ele
A marca de uma raiz
Vai com ele a cicatriz
De um lugar que está vazio
Leva gravada na pele
Uma aldeia um campo um rio

Ficam mulheres a chorar
Por aqueles que se foram
Ai lágrimas que se choram
Não fazem qualquer mudança
Já foram donos do mar
Vão para terras de França.


Manuel Alegre

NOTAS, ACONTECIMENTOS & EVENTOS XI

Amanhã, Quarta (dia 6 Junho), 21:30, Clube Literário do Porto

Sessão de poesia livre (participação de todos quantos o queiram fazer, seja de que temática for) das Quartas MalDitas. Como sempre, entrada livre, e toda a gente será bem recebida.

01 junho 2007

ORA ATÉ QUE ENFIM...



Ora até que enfim..., perfeitamente...
Cá está ela!
Tenho a loucura exactamente na cabeça.

Meu coração estoirou como uma bomba de pataco,
E a minha cabeça teve o sobressalto pela espinha acima...

Graças a Deus que estou doido!
Que tudo quanto dei me voltou em lixo,
E, como cuspo atirado ao vento,
Me dispersou pela cara livre!
Que tudo quanto fui se me atou aos pés,
Como a serapilheira para embrulhar coisa nenhuma!
Que tudo quanto pensei me faz cócegas na garganta
E me quer fazer vomitar sem eu ter comido nada!
Graças a Deus, porque, como na bebedeira,
Isto é uma solução.
Arre, encontrei uma solução, e foi preciso o estômago!
Encontrei uma verdade, senti-a com os intestinos!

Poesia transcendental, já a fiz também!
Grandes raptos líricos, também já por cá passaram!
A organização de poemas relativos à vastidão de cada assunto resolvido em vários –
Também não é novidade.
Tenho vontade de vomitar, e de me vomitar a mim...
Tenho uma náusea que, se pudesse comer o universo para o despejar na pia, comia-o.
Com esforço, mas era para bom fim.
Ao menos era para um fim.
E assim como sou não tenho nem fim nem vida...

Álvaro de Campos

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